terça-feira, 29 de setembro de 2009

Parques de lazer e luxo em Araxá

A água de Araxá fazem muito sucesso: dizem que ela rejuvenesce, além de ser usada para tratar diversos males. Como disse no último post, as fontes de águas terapêuticas da cidade ficam na bacia do Barreiro, local formado na borda de um vulcão extinto. E a bacia, mais conhecida como Complexo do Barreiro - Parque das Águas, é o ponto turístico mais visitado da cidade.

Tombado pelo patrimônio do Estado de Minas Gerais, o parque se estende por 450 mil metros quadrados. Dentre suas atrações estão as Termas, uma imensa casa de banhos que oferece spa, massagens e tratamento de beleza, equipamentos esportivos, as Fonte Andrade Júnior (água sulfurosa) e Dona Beja (água radioativa), um grande lago e muitos jardins. Você pode até andar pelo parque de charrete ou bicicleta, mas como ele não é muito grande, a melhor opção é ir pé, e bem devagar. Durante a caminhada vá ao mirante, no meio da mata, onde é possível ter uma vista panorâmica do Parque.

Alguns hotéis também fazem parte do complexo do Barreiro: o Hotel Colombo, o Hotel Rádio - construído em 1919, já recebeu por diversas vezes Santos Dumont, o pai da aviação - e, claro, o Ouro Minas Grande Hotel e Termas de Araxá.

Um parque dentro do Parque

O hotel é das antigas: foi inaugurado ainda em 1944 pelo então presidente Getúlio Vargas. Causou imenso furor a época devido seu imponente projeto arquitetônico e as festas e eventos sociais que aconteciam por lá. m 2005, depois de fechamentos, aberturas e reformas ao longo da história, o Hotel passa para a responsabilidade da Rede Ouro Minas. Nesse ano também o complexo é tombado pelo Patrimônio Histórico.

(Foto tirada desse link. Vista panorâmica do Grande Hotel)

Para mim, a ideia de "parque" é a que melhor resume esse imenso terreno de 45 mil metros quadrados. Primeiro por causa da definição de parque, que pode ser entendido como grande jardim, área verde. Segundo por causa das crianças. Assim que entrei no Complexo do Barreiro encontrei umas 15 crianças brincando e correndo guiadas pelas ideias loucas de um monitor, como todo monitor deve ser. Além disso, é fácil ter uma ideia da bagunça que elas faziam na piscina do hotel.

Mas o principal motivo por ele ser um parque se deve a oferta de lazer: monitores (para crianças, jovens, adultos e 3ª idade) salão com jogos eletrônicos, sinuca e cartas, playground, piscinas, quadras de vários esportes, um centro para prática de esportes de aventura, cavalos, quadriciclos e bicicletas para passeios pelo parque das águas, pedalinhos e caiaques na beira do lago, teatro e cinema.
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(1ª foto tirada desse link mostrando o lobby. Os não-hóspedes não podem tirar fotos do interior do hotel. A segunda foto é a vista da área de lazer)

As Termas são um lazer a parte que atrai principalmente os adultos. Ligadas ao Grande Hotel por um corredor suspenso, as Termas são de cara bastante luxuosas, com pilastras e chão em mármore e imensos vitrais. Além do banhos e tratamentos estéticos há uma piscina mineral aquecida a 37 graus. Luxo igualmente encontrado no hotel, com 283 apartamentos, moveis coloniais, lustres e janelas de cristais e jardins feitos pelo famoso paisagista Burle Marx.

Os preços desse hotel 5 estrelas são salgados e não estão disponíveis pelo site. O telefone geral do hotel é (34) 3669-7000. Há algum tempo o Hotel está com uma promoção na qual crianças menores de 12 anos não pagam.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Araxá de Dona Beja

Mais uma cidade que tem como principal ponto turístico... um parque. Ou dois, se considerarmos que um hotel de luxo pode ser um. Estou falando da cidade de Araxá, município a 375 km de Belo Horizonte.

(Foto tirada de cima da fonte Dona Beja. Ao fundo, o Ouro Minas Grande Hotel Termas de Araxá)

A bacia do Barreiro, onde há as famosas fontes de águas terapêuticas da cidade, está a 5 km do centro. Historicamente falando, ela se formou na borda de um vulcão extinto. Por isso as águas do local têm funções medicinais.

Mas a história mais interessante da cidade está ligada a uma mulher. Dona Beja, que na verdade se chamava Anna Jacintha, nasceu em 1800 na cidade de Formiga, mas se mudou para Araxá ainda nova. Apesar de ser filha de uma índia (e pai desconhecido) era loira de olhos azuis. Devido a sua incrível beleza, o ouvidor da corte de Portugal, Ignácio Silveira da Motta, raptou a menina quando ela tinha 15 anos. Dizem que durante os dois anos em que ficaram juntos, ela teria o influenciado a deviolver as terras do triângulo mineiro para Minas (à época, as terras estavam em poder da Capitania de Goías).

Dona Beja voltou para Araxá dois anos depois. Encontrou muita resistência dos habitantes da cidade por acreditarem que o comportamento dela não correspondia as normas sociais da época. Suas principais opositoras eram as mulheres, com medo que tivessem seus maridos roubados. Sem se importar, Anna Jacintha montou sua casa e recebia muitos convidados influentes, principalmente nos famosos saraus literários que organizava. A beleza de Dona Beja só aumentava. Segundo a lenda sua beleza é fruto dos banhos que tomava diariamente na Fonte da Jumenta, atual Fonte Dona Beja. Hoje, a fonte é um dos pontos turísticos mais procurados da cidade devido aos seus poderes de rejuvenescimento.























(Primeira foto tirada desse link. Visão externa da Fonte Dona Beja. Segunda foto do interior da fonte. Do lado direito há uma torneira para pegar um pouco de água. Os azulejosem cima da fonte mostram a famosa Anna Jacintha se banhando nas águas milagrosas da cidade)

A história de Dona Beja atrai muitas pessoas a região e já rendeu livros, sambas-enredo e uma telenovela na TV, exibida pela antiga Rede Manchete em 1986.

Desde 2001, porém, Araxá não é a cidade de Dona Beja, é a cidade do Ouro Minas Grande Hotel e Termas de Araxá. E aí, como disse mais acima, a cidade ganhou outro parque (esse, para os endinheirados). No próximo post, as atrações da cidade e do hotel!

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Há 16 anos, uma volta na Pampulha por dia - Personagens (4)

Vera já chegou avisando: "Cuidado. Fica esperta com a sua bicicleta. Acabaram de tentar me assaltar". Ela me disse que eram dois, um mais gordinho, de bicicleta, e outro mais magro, a pé. Deviam ter 14 a 16 anos. O gordo foi em sua direção para tentar lhe derrubar enquanto o magro a mandava parar de pedalar e entregar a bicicleta. "Dei mole porque estava andando na pista que fica mais perto da Lagoa. E olha que eu sempre vou pelo asfalto." Vera gritava para os meninos: sai daqui em nome de Deus. Eles saíram. "A palavra de Deus tem força." E como.

Vera contava o caso enquanto a gente pedalava pela Lagoa da Pampulha. Passamos uns 30 minutos juntas, o que deve ter dado mais ou menos 6 km de distância. O mais legal é que a história do quase-assalto deu brecha para outros assuntos.

Foi assim que descobri que Vera não era uma iniciante como eu: pedalava há 16 anos. "Eu nadava e competia muito quando era mais nova. Também corria. Sempre ganhava os 100 metros. E adorava o salto em distância. Depois parei com isso tudo e resolvi andar de bicicleta." E no auge dos seus 54 anos, Vera sai do bairro Nova Suiça e vai até a Pampulha. Ônibus? Carro? Ela vai - e volta - de bicicleta. E no meio do caminho ainda dá uma volta na Lagoa... coisa pouca.

Mãe de três filhos (um "menino" de 30, outro de 27 e uma menina de 25), Vera é divorciada e pretende se casar de novo em breve, com um boliviano. O antigo marido também era boliviano. Aliás, o atual é amigo do antigo. "Nunca tinha visto esse amigo dele enquanto estávamos juntos." E olha que ela até já morou na Bolívia por alguns anos, quando seus filhos eram novos. "A Bolívia é ótima. Não é esse país sujo e feio que a gente vê na mídia por aqui. Lá é muito alegre e as pessoas são divertidas e felizes, parece com o Brasil."

Segundo ela, é o contrário da Itália, outro país que morou: "as pessoas são tristes, sem cor. Ninguém repara em ninguém. Você pode sair na rua do jeito que quiser que ninguém vai olhar para você. Eles andam sempre com a cabeça baixa".

Enquanto espera o casamento, Vera continua pedalando. E vai continuar depois que acontecer. Já foi a Brumadinho, a Itabirito e a cidades perto de BH. Nunca saiu do estado, mas sonha em fazer uma longa viagem sobre duas rodas. Comentei sobre Aurora, aquela que viajou 5 mil km de bicicleta da sua cidade, no Rio Grande do Sul, até Fortaleza. Ela encheu os olhos: "Um dia ainda faço igual."

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A nossa praia se chama Pampulha

A Lagoa da Pampulha é o mais perto da praia que os belo horizontinos podem ter na capital. Parece uma comparação esdrúxula, mas é verdade. Nos domingos de sol então, o clima é parecido: pessoas e mais pessoas passeando, correndo ou andando de bicicleta pelo que seria o "calçadão" da Pampulha.

(Foto tirada desse link)

Esse pensamento me ocorreu hoje, durante minha mais nova atividade semanal: percorrer os 18 km da Lagoa todas as terças e sextas. Até agora está dando certo. E já faz uma semana! Em dias de sol forte, como o de hoje, a minha sensação ao estar na beira da Lagoa lembrou o mar: quando o vento batia parecia que as ondas de calor grudavam na pele, dando aquela sensação de maresia no corpo. Com a diferença que a nossa é uma "maresia lacustre". Até o cheiro lembra à praia, dependendo do ponto da Lagoa e da forma como o vento traz esse cheiro para o nosso nariz.

Claro que as diferenças entre Pampulha e praia são ainda mais óbvias. Óbvio. Há pessoas passeando, mas ninguém nadando: em certos locais, inclusive, as pessoas podem sofrer até uma mutação genética de tão poluída que ela está. Por falar em poluída, o cheiro também é um problema em alguns pontos.

Mas até que há um esforço (pequeno) para a Lagoa ser um lugar mais agradável. Todos os dias um barco da prefeitura percorre uma parte daquelas águas para tirar o excesso de sujeira (o pior é que eu falo com um certo orgulho quando, na verdade, deveria estar xingando as pessoas e o governo pelo lixo e esgoto que cai lá dentro). Todos os dias também têm alguns funcionários da SLU varrendo as folhas da rua que circunda o local.

Mas apesar de não vermos ninguém nadando, sempre há algumas pessoas de biquini, em geral mulheres em direção a algum dos clubes da região. Outra figura típica são os pescadores (pág. 5), que estão lá todos os dias: faça chuva, faça sol, faça mal cheiro. Essas semelhanças só me fazem ter ainda mais certeza que a diferença principal está no clima. Cidades praianas tem um CLIMA diferente. Aquela coisa bem novela de Manoel Carlos: pessoas felizes, roupas coloridas, ondas batendo em contra luz.

O clima praiano excerce uma certa fascinação sobre mim, não posso negar. E como moro em BH, ir para a Pampulha se torna um momento feliz no meu dia, seja qual for o dia.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pelo Circuito das Águas: São Lourenço

No post passado eu avisei: não vá ao Parque das águas de caxambu mais de três vezes porque o passeio enjoa. Disse com conhecimento de causa pois foi uma experiência pessoal. Assim, já no segundo dia da nossa viagem nos mandamos para outra cidade: São Lourenço, a 37 km de Caxambu.

(Foto de Célio Ferraz. Retirada desse link)

O clima de São Lourenço é bastante diferente. Apesar de ser um município com a metade do tamanho de Caxambu, sua população é quase o dobro. A cidade é bem mais cheia e badalada (levando em conta o que significa “badalação” em uma cidade pequena). Isso se deve ao fato de São Lourenço ser a cidade pólo do Circuito das Águas e ter o turismo como principal fonte de renda. Em épocas festivas a cidade enche e todo fim de semana chegam ônibus com turistas de várias regiões, principalmente dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

É por isso que a infra-estrutura local é bem avançada para uma cidade com apenas 52,7 km². Há uma grande e variada opção de hotéis e um comercio bastante desenvolvido: era domingo e as ruas estavam cheias, lojas e mais lojas abertas. Além do comércio diário há também uma feirinha de roupas do lado direito de quem sai do Parque das Águas da cidade.



























(A primeira é uma amostra da cidade. Essa fonte fica em um quarteirão fechado, cheio de bares. Ao fundo um dos prédios mais bonitos da cidade, tudo culpa dos seus azulejos coloridos à la sul do Brasil. A segunda é uma foto da feira)

Assim como Caxambu, o Parque é o principal ponto turístico da cidade. Há nove fontes de águas com diferentes propriedades. A novidade fica para a fonte Jayme Sotto Maior. Nela não se bebe, se cheira: um tubo que exala vapores sulfurosos fica a disposição dos que querem melhorar rinites e sinusites. No Parque há lojas, um grande playground para crianças, balanços, lojas, restaurantes, uma capelinha, espaço para andar de patins, pistas de bocha (que curiosamente estão sempre cheias), quadras, um grande lago com pedalinhos e barcos e um balneário para banhos e massagens relaxantes.















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São Lourenço tem outras atrações que vão além do Parque (aí sim, uma grande diferença com Caxambu). Há o teleférico, o Trem das Águas, uma locomotiva a vapor que vai até o município de Soledade de Minas e, para mim o mais curioso, o Templo da Eubiose. A Sociedade Brasileira de Eubiose tem 4 templos no país, sendo o de São Lourenço o 1º e principal. A Eubiose é uma filosofia que procura a harmonia entre o ser humano e o ser divino. "Destina-se a formar as lideranças que conduzirão os homens na Era de Aquárius", iteressante não?! Lá também é uma Escola de iniciação, aberta a todos. Quem sabe da próxima vez não me aventuro por essa bandas?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Caxambu e suas águas terapéuticas

Assim que se entra no Parque há um pequeno córrego com lindos corredores de árvores de bordo, aquela com folhas de plátano, o símbolo do Canadá. Essa é a primeira imagem que me vem à cabeça quando escuto falar de Caxambu, cidade mineira a 384 km de BH.

A pequena cidade tem cerca de 23 mil habitantes e guarda o maior complexo hidromineral do mundo: hospeda 12 fontes de água mineral com propriedades que fazem de tudo, vão do estímulo da função renal até a normalização da pressão arterial. 10 dessas fontes estão dentro do Parque das Águas Dr. Lisandro Carneiro Guimarães, tombado pelo Iepha desde 1999. É por causa dessas características que a cidade faz parte do Circuito das Águas de Minas Gerais, que conta também com s municípios de São Lourenço, Cambuquira, Lambari, Baependi, Campanha, Heliodora, Conceição do Rio Verde, Carmo de Minas e Soledade de Minas.

Caxambu tem pontos turísticos como a Igreja Matriz em estilo gótico, o Morro de Caxambu com seu cruzeiro e a estátua do Redentor e muitas cachoeiras ao redor da cidade. Mas o Parque das Águas detem todas as atenções.

Com 210 mil m², o Parque traz - como já foi dito - 10 fontes de água mineral. A mais famosa é a de Dom Pedro, menos por suas características naturais e mais pela beleza arquitetônica. Em seu interior há uma réplica da coroa do príncipe. A água sai por uma torneira que fica instalada exatamente na viga que sustenta a coroa. O Parque traz também um Balneário Hidroterápico construído no final do século XX que é um dos cartões postais da cidade. Lá, é possível fazer massagens, terapias e tomar banhos relaxantes (nunca experimentei nenhum sempre por questões financeiras, claro). Para concluir as atrações "aquíferas" há uma piscina de água mineral de 25 metros com toboágua, que também não tem entrada franca.

Ao longo do parque há belos jardins e algumas pequenas surpresas, como balanços, laguinhos, estátuas, pontes, árvores centenárias, quadras para esportes, espaço para andar de patins, playground, lojinhas e um geiser natural. Mais um pouco e encontramos um grande lago com pedalinhos e, por cima do lago, um teleférico. O legal e ao mesmo tempo aterrorizante para alguns é que esse teleférico é só uma cadeirinha. Não há nada que te segure, mas também nem um vidrinho entre a pessoa e a natureza.
O teleférico dá no Morro de Caxambu, onde está o cruzeiro (que fica iluminado a noite) e o Redentor. Também há a possibilidad de subir no morro de carro, por isso as pessoas podem comprar só ida ou só volta se quiserem. O pacote completo é R$10 por pessoa. Lá de cima dá pra ver literalmente toda a cidade.



ACREDITE:
- Visitar o Parque uma vez só é pouco. Vá pelo menos duas vezes: a primeira para conhecer, a segunda para aproveitar o lugar, que é muito agradável. També não vá mais de 3 vezes. Da última vez que fui a Caxambu passei 5 dias na cidade: da 3ª vez que fui ao Parque já não aguentava mais.
- Leve garrafinhas d'água para pegar água da fonte, mas também não comece a querer fazer comércio: o máximo que uma pessoa pode levar é 5 (ou 10, não me lembro bem) litros.
- Não experimente muito de todas as águas pois isso pode trazer desarranjo intestinal.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

5 mil km de bicicleta pela costa brasileira - Personagens (3)

"Ir longe" foi a única prerrogativa para Aurora Noeli Veiga dos Santos, 61 anos, professora aposentada de geografia e história. Ela queria viajar, e ir longe! Até aí tudo bem: com os atuais meios de transporte ir longe é fácil. Difícil é decidir fazer o trajeto de bicicleta. E foi exatamente o que Aurora escolheu.

(Foto tirada desse link)

Ao fim de sua última aula, algumas amigas, também professoras, lhe perguntaram:
- Como é que vai a mais nova aposentada?
- Péssima. Eu nao sei o quê que eu vou fazer da minha vida...
- Ah, tem tanta coisa pra fazer. Tem tricô, hidroginástica, bingo, dominó...
- Ah, mas assim vocês me matam de tanta animação!
- Tu não tens assim, um sonho, uma coisa que quer fazer desde menina?
- Olha... tenho.

Desde menininha Aurora já falava que queria ir longe, muito longe.

- Eu tenho vontade de viajar pra um lugar que eu nunca fui.
- Pra China?
- E eu lá falo chinês? Não, é aqui no Brasil mesmo. Sei lá, tem tanto lugar pra conhecer. Tem Santos, Búzios, Florianópolis, Salvador, Maceió, Recife... Já sei: vou deixar Deus decidir por mim.

Assim, Aurora pegou uma caneta esferográfica e a jogou no mapa do Brasil afixado em uma das paredes da sala. Onde a caneta batesse, esse era o seu destino.

- Fortaleza!
- Dizem que lá e lindo. É só voce pegar um avião!
- Ah, avião não. Tenho medo.
- Vai de carro.
- Eu não dirijo.
- Ônibus?
- Mais perigoso do que avião.
- Navio...?
- Tenho enjoô.

Uma viajem de Tramandaí até Fortaleza levaria cinco horas se fosse feita de avião, 4 dias se fosse de carro, 1 semana se fosse de navio. Mas Aurora escolheu uma coisa mais lenta ainda:

- Eu vou de bicicleta!
- Bicicleta?

E partiu. Aurora saiu do Rio Grande do Sul no dia 1º de janeiro de 2003. Batizou sua bicicleta de Serena. "Meu coração batia muito muito forte e eu estava muito, muito emocionada mesmo, mas eu comecei a respirar profundamnte e pensar: não, eu preciso seguir a minha viagem". E seguiu circundando a costa brasileira. De Tramandaí, sua cidade natal, passou por Torres (RS), Laguna (SC), Garopaba (SC), Florianópolis (SC), Camboriú (SC), Caiobá (PR).

Chegando à Ilha do Mel, no Paraná, Aurora parou para pedir informação a um hippie que estava sentado a beria mar vendendo suas pulseiras.

- Moço, por favor, por aqui eu vou pra Paranaguá?
- De qualquer lugar a gente pode ir pra qualquer lugar, sacou?
- Profundo...
- Tive outra sacação: não é voce que anda pelo mundo. é o mundo que gira e você passa pelas coisas, entendeu?
- Ahn...
- Veja só que sincronicidade: eu escrevi uma poesia para uma amiga que eu ia mandar pelo correio, mas a vovó me deu uma ideia.

Ele disse: "num tem maneira mais original de mandar uma carta do que pela senhora. A senhora aceita levar um carta para uma amiga?"

- Levo ué!
- Mas ela mora longe...
- Quê que tu chama de longe?
- Recife.

Aurora nem pensou e disse: "tudo bem, não tem problema. É minha rota. Eu vou passar por lá. Se Deus quiser eu vou entregar a carta pra sua amiga". E seguiu viagem. Depois de Ilha do Mel Aurora e Serena passaram por Santos (SP), Ubatuba (SP), Trindade (RJ), Cabo Frio (RJ), Búzios (RJ) e chegou a Guarapari (ES). De lá conversou com suas amigas por telefone.

-- Como assim Aurora? Mais cartas?
-- Pois é. Eu contei a história do hippie da Ilha do Mel em Niterói aí me deram mais uma. Depois em Marataízes me deram mais outra, depois...
- E aí, tu vai entregrar todas?
- Faça chuva ou faça sol!
- Hoje tem um ano que tu saiu daqui sabia?
- Sabia. Ah, mas ta indo tudo bem, graças a Deus. Um dia eu volto.

Desligou o telefone e resolveu parar um moço ao seu lado:
- Por favor, é por aqui que eu pego a BR?
- É só seguir a vida toda por aqui.
- Tá, obrigada.

"Um ônibus me atropelou em plena via pública", lembra. Aurora foi obrigada a atrasar sua viagem. Foi direto do asfalto para o hospital. Quando acordou não reconhecia aquele local, muito diferente do trajeto habitual que incluia ruas, vegetação e, de vez em quando, vista para o mar.

- Onde que eu estou?
- No Espírito Santo?
- Eu morri?
- No estado.
- Ahhh... Graças a Deus. Quando é que eu vou poder ir a Fortaleza? É que eu estou viajando de bicicleta?
- Bicicleta nem pensar! Você vai ter que me prometer que vai voltar pra sua casa.
- É lógico...

Continuou o trajeto assim que chegou no hospoital. Vitória (ES), Santa Cruz (ES), Conceição da Barra (ES), Itaúnas (ES). Em Mucuri, na Bahia, o caminho parecia ficou um pouco mais confuso:
- Gozado Serena, a gente ta que ta rodando aqui há um tempão, nesse mesmo lugar.

Aurora tinha se perdido no meio de uma mata de eucalipto e não conseguia mais achar a saída.

- E agora meu Deus, como é que a gente sai desse labirinto? EI! ALGUÉM! EU QUERO VOLTAR PRO ASFALTAO! Calma Serena, calma. Olha, o jeito é a gente fazer uma oração bem caprichada. "Oh meu deus. Olha aqui ô. Eu estou aqui, eu preciso da sua ajuda. Me ajude por favor".

Um homem surgiu do meio do nada. Não era um príncipe encantado. Pelo contrário, era grande, gordo e tinha uma facão.
- Ai, to perdida - ela pensou.
- Ta mesmo.
- Essa faca aí...?
- É pra cortar.
- Então seja rápido por favor.
- Ahn?
- Essa faca aí num é pra cortar o meu pescoço?
- Não, isso aqui é pra cortar os palmito que tinha ali atrás. Aí eu ouvi seus grito e resolvi ajudar a senhora a voltar pro asfalto.
- Ai meu Deus, muito obrigada! Obrigada moço.

Naquele momento ele foi mesmo um anjo da gaurada caído do céu porque naquele lugar não tinha ninguém, não morava ninguém. Depois do apuro, Aurora e Serena passaram por Aracajú (SE), Maceió (AL), Recife (PE), João Pessoa (PB) e Natal (RN). "De Tramandaí, Rio Grande do Sul, a Fortaleza, Ceará, eu levei quase 3 anos para chegar". Quando viu a plaquinha que indicava "Fortaleza - 5 km" se encheu de alegria. Atravessou a divisa dos municípios como quem ganha uma medalha olímpica.

- Levou tres anos, mais de mil dias, mas a gente chegou Serena. Ai, eu nem acredito que eu fiz isso. Desculpa Serena, nós fizemos. Olha esse mar Serena, que lindo, dá até vontade de chorar...

Mas Aurora não vai parar por aqui: ela ainda vai levar sua bicicleta por mais um caminho. "Agora, tenho uma grande vontade de conhecer a região Norte e a partir da região Norte, de Boa Vista, pretendo ir para Caracas, na Venezuela. Depois Cuba, México, descer a América Central e a América doSul". Até um dia retornar a sua casa.

Essa história apareceu em uma edição do programa Retrato Falado do Fantástico. A partir do vídeo, adaptei à minha maneira. Para quem quiser ver o original (que de fato vale a pena) clique nesse link