segunda-feira, 28 de março de 2011

A exuberante Munique

Uma cidade que consegue juntar patrimônio histórico, arquitetura moderna e espaço verde como poucas no mundo. É nessa falta de identidade que reside a glória do local: é impossível dizer se o principal é sua memória ou seu futuro. Para conhecer e entender é preciso ir. Assim é Munique, capital da região da Baviera, na Alemanha.

(Os pontos mais importantes em uma foto só. A frente, a prefeitura. À esquerda, a Catedral de Nossa Senhora de Munique. Ao fundo, em amarelo, a igreja dos Teatinos. Foto tirada desse link)

Depois de estacionar a nossa casa, fomos dar uma volta pela cidade para "reconhecimento de território". Paramos em frente à Theatinerkirche, igreja dos Teatinos e São Caetano. O grande edifício amarelo foi construído entre 1663 e 1690 como agradecimento do rei e da rainha pelo nascimento do príncipe herdeiro Maximiliano Manuel. A igreja tem influência barroca. Se por fora ela é amarela, por dentro a igreja esbanja um branco cintilante, símbolo de um povo que sabe preservar seus monumentos.

A esquerda, um monumento erigido em homenagem a um corpo de exército na Alemanha, o Feldherrnhalle, que lutou na batalha de Budapeste, na Hungria, em 1944. Se tem uma coisa que Munique tem (e, acredito eu, mais uma centena de cidades da Alemanha) são lembranças do período nazista e da Segunda Grande Guerra. Essas memórias podem ser físicas, em forma de estátuas e prédios, ou psicológicas, em forma de respeito e silêncio, visíveis quando passamos perto de algo como o Feldherrnhalle.



(A igreja amarela e o focinho dourado do leão. A cor da sorte)


Aos que não entendem alemão mas são curiosos, o próximo passo será seguir a rua a esquerda do monumento, a Residenzstraße, de onde vem o maior movimento. No caminho vi um monte de pessoas passando a mão no nariz dourado das estátuas de leão. Mais do que sorte, aqueles que fazem o movimento pela primeira vez na vida ganham o direito de fazer um pedido. Se de um lado a curiosidade é cultural, do outro é de design: os prédios de diversas ruas em Munique são grudados uns nos outros.

Seguindo a rua, passamos pelo teatro nacional e chegamos ao ponto alto da cidade, a Marienplatz, ou Praça de Maria. E nela, um dos monumentos mais incríveis que já vi na vida: o Neues Rathaus, que abriga a prefeitura da cidade. Ele é enorme em tamanho e em largura. A sua área ocupa 9519 m² e só a fachada principal tem quase 100 metros de extensão. A construção do edifício aconteceu em três etapas entre os anos de 1867 e 1908. Você pode demorar mais de uma hora se quiser, só observando os detalhes de cada quina desse prédio em estilo neogótico.

(Relógio de criança. Entre março e outubro, o teatro de bonecos também acontece às 17h. Foto tirada desse link)

Quando os ponteiros marcam 11h da manhã, as íris coloridas de turistas de todas as partes do mundo (e as azuis dos alemães que ainda se encantam com o espetáculo) se viram para a Glockenspiel, o relógio de madeira no topo da torre principal do edifício. Os bonecos que compõem o cenário de dois níveis contam a história de um casamento real, com direito a torneios entre os concorrentes à mão da princesa e dança típica. Depois de 8 minutos de encenação, aparece um pássaro dourado no ponto mais alto do cenário.

No dia seguinte à festa, fomos passear de verdade pela cidade. Depois de uma parada no Starbucks, que se tornou a cozinha de café da manhã e o banheiro do nosso alojamento, visitamos o Hofgarten, ali mesmo, na frente da igreja amarela do dia anterior. O Hofgarten é um parque em estilo renascentista italiano, o que é facilmente perceptível devido à simestria do local, construído em proporções perfeitas. Ele não é o maior parque da cidade, posição ocupada pelo Englischer Garten, mas como está bem no centro é bastante frequentado. Em um domingo de frio considerável, no último fim de semana da Oktoberfest, às 8h da manhã, vi diversas pessoas colocarem suas luvas e microshorts (algo que não faz sentido nenhum) e saírem para passear com seus cachorros ou correr.

(No centro do parque há um cúpula dedicada à deusa Diana)

Ao lado está o Münchner Residenz, ou Residência de Munique, o maior palácio urbano da Alemanha. O local foi a casa oficial de duques e reis. Hoje, serve como Casa do Tesouro Nacional e Museu das Decorações. Para vocês terem ideia, o Hofgarten é só o "jardim da corte" deste imenso edifício. O complexo é composto por 10 pátios e o museu (só o museu) por 130 salas. Infelizmente, estava fechado... A próxima parada foi no rio Isar, que em suas origens quer dizer algo como "rio de água congelada". A corrente de água deságua no Danúbio. Em um certo ponto há ondas, devido ao seu relevo. E, nelas, há sempre loucos surfando, sem medo do significado da palavra.

(Ao nosso lado, dezenas também assistiam. A onda é pequena, mas já melhor que a Pampulha ne não?)

A próxima parada foi a torre de Alter Peter. Antes mesmo de Munique ser fundada como cidade, em 1158, a igreja de St. Peter já existia, graças a um grupo de monges que vivia na região. Para subir, o turista gasta dois euros e pode apreciar uma as paisagens da cidade e suas casas coladas com telhados laranjas e chaminés escuras.

(Só subindo na torre que eu pude entender o tamanho de Munique, a terceira maior cidade do país, com 1,5 milhão de habitantes)

Se essa é a igreja mais velha, a Catedral de Nossa Senhora de Munique é a mais importante. As duas torres de 109 metros de altura e cúpulas esverdeadas podem ser vistas de todas as direções, em qualquer ponto da cidade. No desenho original, seriam duas torres, que não foram concluídas pela falta de dinheiro. Na época do Renascimento, construíram as cúpulas que não seguem em nada o estilo arquitetônico do edifício e, por isso mesmo, o diferencia do resto.

A fome guiou nosso último passeio. Por indicação de um amigo brasileiro (encontrado de forma aleatória pela cidade para mostrar que, sim, estamos por todos os lados) fomos ao Viktualien market, é um mercado aberto de comida alemã. O totem marca a entrada do mercado, que tem de tudo: flores, frutas exóticas, temperos, carnes... e um incrível cheiro de salsicha que vinha de algum lugar ali perto. Como todos queriam terminar comendo como um alemão - na verdade como um típico turista - nos sentamos em uma "jardim de cerveja" cheio de barracas com comidas. Pés cansados e estômagos abastecidos: mais 16 horas de viagem de volta. Missão cumprida.

(Para os quem têm ... e para os que não têm. O dinheiro não é motivo para não aproveitar a cidade!)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Samba e pandeiro na Oktoberfest 2010

Solução dos tímidos, consolo dos depressivos, alegria dos festeiros. A cerveja é uma bebida que já era conhecida há 4 mil anos a.C. Hoje, é encontrada com diferentes ingredientes, cores e sabores, mas continua sendo motivo para festas, seja como acompanhamento ou tema principal.

O St. Patrick's Day, por exemplo, é um evento que surgiu a partir de um tema religioso mas que hoje é feita para celebrar outras coisas. E beber até cair. Um dia inteiro de álcool fermentado. Em compensação, no quesito "festas com muita cerveja", a Alemanha é campeã. É lá que se comemora a maior festa da cerveja do mundo, a Oktoberfest.

(As garçonetes, sempre em trajes típicos, chegam a carregar 6 canecas enormes de cerveja em cada uma das mãos. Foto tirada desse link)

Em 2010, pude acompanhar in loco o que acontece em Munique, sede do evento. A organização não foi lá muito organizada. A Oktoberfest começa em setembro e dura cerca de 20 dias, terminando no primeiro fim de semana de outubro. Pensamos em ir várias vezes, mas consideramos impossível visto que todos os hotéis, pousadas, albergues, campings e bancos de praça já estavam reservados. Além disso, a passagem de avião era cara e não conhecíamos os sites de ônibus, trem ou carona (que possivelmente também não teriam vaga para o evento).

Foi quando numa quinta, véspera do último fim de semana da festa, nosso amigo nos telefonou: estamos fechando um carro para Munique. Com vocês fechamos mais um. Sai mais barato e divertido pra todo mundo. Topam?

A odisseia

Éramos nove brasileiros em dois corsas novos. Pegamos o carro no início da noite de sexta-feira com o intuito de passar toda a noite viajando e chegar em Munique no fim da manhã. A primeira ideia era passar por Genebra, na Suiça. Além de ser o caminho mais rápido poderíamos apreciar a belíssima paisagem do local. Porém, como a Suiça não faz parte da União Europeia no sentido de livre circulação de pessoas, resolvemos contornar o país. Passamos por Lyon, Strasbourg, Stuttgart, Ulm e, finalmente, "München".

(O que nos esperava: pátio central da Oktoberfest 2010)

A viagem durou cerca de 14 horas. Culpa de parte do atraso foi do GPS que alugamos, que nos deixou perdidos na fronteira entre França e Alemanha, pois as rodovias eram novas. Colocamos o aparelho na nossa língua materna e tivemos que aguentar os comentários nem sempre corretos da "portuguesa burra", como apelidamos nossa amiga GPS. Tentamos tirar o atraso na estrada. Na Alemanha, existe uma placa de trânsito que significa "velocidade máxima não estabelecida", ou seja: corra a 200 km/h que isso não será um problema. Duas coisas possibilitam a existência dessa placa. A primeira é a qualidade das estradas, com poucas curvas e nenhum buraco. A outra é a obediência alemã. Os motoristas, mesmo à 180 km/h, andam com cautela e segurança.

Quando chegamos lá, era a hora de encontrar um estacionamento. E o local tinha que ser central e seguro, já que além de meio de transporte o carro ia servir também de alojamento. Demos uma sorte incrível de encontrar um estacionamento do estado gratuito aos fins de semana. Uma parada no Starbuck's mais próximo para uma água no rosto e um café quente e estávamos prontos para a festa!

(A macacada reunida)

Fomos de caravana brasileira: blusas verde e amarela, cangas de praia e pandeiro na mão. Saímos do estacionamento e fomos a pé para o local, a partir das informações que as pessoas nos davam. Munique estava entupida. As vezes nem era preciso perguntar que direção tomar porque era só seguir o fluxo.

No caminho, uma cidade exuberante. Munique é aquele lugar que soubre misturar patrimônio histórico, arquitetura moderna e espaço verde. Vez ou outra parávamos para tirar uma foto, escutar o que um guia de turismo tinha a dizer para um grupo estrangeiro ou ler alguma informação nas plaquinhas que ficavam na frente dos edifícios mais antigos. Com oito mulheres em um grupo de nove, também era muito comum uma paradinha estratégica em lojas de souvenirs.

A caravana brasileira seguia a passos largos, embalados a samba e pagode. O pandeiro dava o ritmo das músicas que a gente cantava no meio da rua. As pessoas passavam e gritavam "Brasil", com uma receptividade incrível. Foi a primeira vez que percebi realmente como as pessoas amam nosso país. Não era preciso fazer nada. A camisa da seleção já incitava gritos com braços para o alto e sorriso no rosto. Ninguém grita "Austrália" ou "Chile". Já percebeu? Mas todos gritavam a nossa nacionalidade e se aproximavam para nos conhecer.

(A festa dentro do espaço Paulaner, onde entramos. Já passava das 21h e o espaço continuava cheio)

Por falar em nacionalidade, Munique era a Torre de Babel. Em algumas situações (filas de banheiro, por exemplo), presenciei conversas inteiras entre italianas, canadenses, alemãs e japonesas conversando todas em inglês. Ao mesmo tempo, as pessoas se fantasiavam com roupas típicas alemães para participar da festa.

Um dia pra bebemorar

É quando eu vi a placa OKTOBERFEST que me dei conta de que estava na maior festa da cerveja do mundo. Ok, eu não bebo. Mas isso não ia me impedir de aproveitar. O evento conta com uma estrutura enorme. Dentro do espaço destinado à festa, há dezenas de barraquinhas de comida típica, lembranças, banheiro, área hospitalar e um parque de diversões ao fundo, com montanha russa, elevador e essas loucuras todas que as pessoas adoram, principalmente quando estão bêbadas.

(Barraquinha de comida fora das tendas serve castanhas caramelizadas. Entre as comida típicas também estavam os pretzels, os sanduíches de salsicha e grandes corações de chocolate, sempre com dizeres amorosos escritos)


Não é permitida a venda de bebidas alcóolicas no espaço do evento, só dentro das tendas. O visitante pode escolher entre 14 tendas para entrar. Cada uma traz algo especial, seja na decoração, nas marcas de cerveja, nas comidas servidas ou mesmo nas atividades oferecidas (de shows a competições). Algumas são um verdadeiro tumulto e outras nem tanto. De toda forma, é comum as pessoas escolherem entre uma e três tendas para se sentar e ficar por lá mesmo, bebendo os clássicos chops de um litro.

Entramos na Armbrustschützen (?) que servia a cerveja Paulaner. O difícil foi arranjar lugar pra sentar. E pessoas em pé não podem comandar cervejas. Por sorte, encontramos um casal de brasileiros e dividimos uma mesa com eles. Na nossa tenda, o copo custava 8,75 euros. A primeira rodada foi só alegria. Depois chegou a segunda e, na terceira, a galera lembrou que aquilo significava 3 litros de cerveja. Alguns decidiram parar. Outros, encher a cara.

(A escolhida)

As tendas param de atender as pessoas às 22h e fecham suas portas às 22h30. Agora imagine um bando de pessoas bêbadas sem senso de orientação tentando encontrar a saída da festa. Fica difícil generalizar e criar um "perfil alemão", já que fiquei no país por dois dias e, em um deles, estavam todos aéreos. Mas posso dizer que o que encontrei no país foram pessoas muito gentis e dispostas a ajudar os outros mas, ao mesmo tempo, muito rudes. Tanto no trato com as pessoas (se você não compreender a informação que te passaram o problema é seu) quanto nas atitudes. Na saída, um tromba-tromba sem igual. E não era só uma encostada no outro, eram empurrões, sem pedidos de desculpas. Vimos várias pessoas passando a mão na bunda do próximo.

O exemplo máximo da grosseria e frieza alemã observamos dentro da nossa própria tenda. O caal brasileiro que estava com a gente pediu um prato de joelho de porco, mas receberam uma outra coisa. Quando a mulher reclamou a moça xingou ela toda, disse que ela tinha pedido era aquilo mesmo e pronto. A mulher só pagou para não dar trela, porque estava com a razão. E a mesma coisa aconteceu de novo, com o mesmo casal, com o mesmo prato. E após muita reclamação e novo pagamento, eles foram expulsos.



(Pessoas fantasiadas para a festa. O estilo era "camponês" e as cores que mais sobressaím eram verde, vermelhor e rosa)



Independemente do estado de sobriedade do grupo, durante a tarde toda nós sacamos nosso pandeiro, tocamos um monte de músicas, dançamos em cima da mesa e falamos muita bobagem. Muitas pessoas se aproximaram querendo conversar, tocar aquela "coisa redonda peculiar" e dançar o samba. Foi fácil conhecer e conversar com as pessoas. Meu inglês estava impraticável, já que estava há um mês na França e pensava em francês a todo tempo. Ainda assim conversei com alemães, italianos e americanos (na maioria das vezes escutava em inglês e respondia em francês, mas funcionava). Uma verdadeira festa internacional.

segunda-feira, 21 de março de 2011

BH foi tomada pelo verde

Quem tentou passar pela Savassi na tarde de sábado encontrou carros a 0 km/h devido ao trânsito e teve de esperar de 30 a 60 minutos para atravessar o bairro, um dos mais típios de BH. Sofreu mesmo quem estava só de passagem, já que a maioria das pessoas ia ficar por ali para aproveitar o St. Patrick's Day, ou Dia do São Patrício.

(Turbilhão de pessoas. O verde reinava absoluto)

O santo que levou um número de pessoas assustardor para as ruas nem é brasileiro. Padroeiro da Irlanda, São Patrício foi o responsável por levar a religião católica àquele país. Muitos dos símbolos irlandeses, como o trevo e a cor verde, foram criados devido ao santo, que usava a planta para explicar a Santíssima Trindade. Na Irlanda, 17 de março é feriado nacional, que eles comemoram se fantasiando e bebendo muita cerveja. Aqui, nada de feriado. O resto...

Sobrou festa

Durante toda a semana, a festa foi o assunto. Escutei dezenas de pessoas falando que iam, discutindo o ponto de encontro e pesando em qual roupa (verde) iriam usar. A maior dificuldade era saber em qual festa ir. O primeiro evento do tipo em Belo Horizonte aconteceu em 2007, em uma parceria entre BH Rugby e a cervejaria Frei Tuck.

Esse ano, o BH Rugby fechou com o pub Major Lock. A festa seria celebrada na Av. Getúlio Vargas, de 14h às 22h. Barracas venderiam cerveja (além da típica cerveja verde) e comidas: pizzas irlandesas. Um palco seria montado e contaria com a apresentação de DJs e bandas, algumas tocando música celta. O traje verde seria item obrigatório. Caso contrário os gnomos verdes contratados pelos organizadores te dariam beliscões.

(Palco na Getúlio Vargas. A noite, luzes verdes iluminavam o ambiente)

A cervejaria Frei Tuck, por sua vez, montou sua tradicional festa no endereço de sempre: Rua Andaluzita, esquina com Av. do Contorno. Além do tradicional chopp Walls verde, muita música celta e rock and roll. Para os apreciadores da boa festa (ou para os ricos mesmo) dentro do Frei Tuck seria montado uma área VIP. Pagando 100 reais o cliente teria direito a uma camisa do evento, amplo cardápio e 60 reais convertidos em consumação.

Dia Verde

O fato é que, independente da festa, parecia que todos os jovens de BH estavam ali. Acompanhados também pelos adultos, idosos e etc. A Polícia Militar estima que mais de 35 mil pessoas tenham passado pela Savassi. Que a divulgação foi boa, isso não se discute. O problema foi exatamente esse: divulgação demais, adesão demais e, na hora do "vamo vê" uma organização pouco eficiente.

(Grupo de amigos se diverte: roupas verdes, chapéus e suspensório. O pote de ouro, no caso, era a cerveja)

A festa estava programada para ocupar a Getúlio Vargas, entre as ruas Paraíba e Rio Grande do Norte. O movimento, porém, foi até a Pernambuco e as grades colocadas no local foram retiradas em poucas horas de evento. O movimento se alastrou também pelos bares, lojas, shoppings e ruas da Savassi. Mesmo a quilômetros de distância era possível encontrar grupos de pessoas verdes no caminho. A cerveja era um problema: uma fila enorme para pegar a ficha, outra maior ainda para pegar a cerveja (e quem tentou comprou no barzinho mais próximo, bebeu quente). A famosa cerveja verde era cara: 4 do chopp + 5 da anelina. Que não tinha gosto de nada. Gnomos? Naquele mundo de gente quem viu um já ficou feliz. E aqueles que comeram a pizza não viram lá grande diferençe entre a brasileira e a irlandesa.

O sucesso da festa é flagrante: BH ainda é uma cidade carente de grandes eventos. Há muitos shows, bares e festas, mas a maioria em espaços fechados. Quando há festivais e mostras em espaços abertos, é para um público específico. Não temos um Carnaval ou uma Semana Santa. Nos grandes feriados todos viajam, pois sabem que a cidade não oferece muitas opções. O St. Patrick's Day foi o contrário: um evento aberto, para todos. Ninguém esperava encontrar 35 mil pessoas por ali. A inexperiência e a crença na ideia de que o belorizontino não "sai à rua" podem ter sido, nesse caso, o motivo para os erros.

(Meia colorida e cachimbo na boca. Quem quis entrou no clima da festa)

Para muitos, a festa foi péssima. Muita muvuca e pouca bebida. Por isso, optaram por trocar de festa. Há alguns metros dali, a rua Andaluzita trazia algo similar. O problema é quando muitas pessoas pensam na mesma coisa ao mesmo tempo... Ainda assim, quem ficou no evento do Frei Tuck afirma que o local estava mais agradável.

Para outros, entretanto, um ótimo evento. Quem aproveitou fazia parte do grupo dos "auto-suficientes", aqueles que levaram a própria bebida e encontraram um cantinho legal pra ficar. Afinal, cerveja, amigos e show de graça é uma mistura que não tem muito erro!

quinta-feira, 17 de março de 2011

O estilo de vida em Escarpas do Lago

Capitólio é uma simples cidade do interior. Tem ruas de pé-de-moleque, uma bela igrejinha na praça principal e casas humildes. Vez ou outra, no meio da população pacata você vê uma pessoa mais chique. No Carnaval, no meio da festa na rua, na parte da tarde, vimos um grupo estrangeiro. Os trajes "turísticos" já evidenciavam: mulher com écharpe no meio do verão brasileiro, homem com sandália da Timberland e uma enorme câmara fotográfica na mão. Para termos certeza ficamos lendo os lábios deles. Coversavam em inglês.

Estavam de passagem. Olharam curiosos para o movimento, sorriram como se quisesem participar do "fuzuê", entraram no carro e foram embora. Capitólio não é o lugar dessas pessoas. Em Escarpas do Lago, porém, poderíamos encontrar facilmente esse tipo de turista.

(Deck de Escarpas com os "barquinhos" dos endinheirados)

Muitos acham que Escarpas é um condomínio fechado ou mesmo uma outra cidade, mas Escarpas é um bairro da cidade de Capitólio. Como disse no outro post, o local começou a ser construído em 1978, privilegiando o luxo e o requinte. Ali é o paraíso dos endinheirados que querem uma casa de veraneio. Passear pelo bairro é como abrir uma revista de decoração, já que a tranquilidade local é tanta que é possível ver até o interior das casas pelos vidros e cercas, sempre abertos.

No fim de semana antes do carnaval, passei dois dias em Escarpas, na casa de uma amiga. Essa paz, inclusive, me chamou muito a atenção. O lugar não tem rondas de segurança até anoitecer, a maior parte das casas não possui câmeras, cerca elêtrica, arame farpado ou qualquer outro tipo de instrumento que possa barrar a entrada de um bandido. Para completar, os portões ficam abertas para quem quiser ver os casarões, lanchas, carros importados e quadricíclos da galera.

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(Algumas das casas de Escarpas. Ainda não escolhi a minha...)



Mar de Minas

A grande vedete é mesmo o Lago de Furnas. É a maior extensão de água do estado e por isso mesmo conhecido como “mar de minas”. O Lago abrange 34 municípios e produz cachoeiras, cânions e outras formações naturais. Algumas tem acesso por meio de estradas de terra. Para outras, é preciso ter um barco (ou ter amigos que tenham =] ) ou contratar alguma agência local que faça o passeio. Entre as cachoeiras mais bonitas está a Cachoeira da Lagoa Azul, rodeado por águas de cor azul piscina que, sinceramente, eu não sei se onde vieram.

(Cor assim eu só vi em praias ou lago com pouca profundidade. Foto tirada desse link)

Outra atração são os cânions, grandes paredões rochosos (com mais de 20 metros de altura) cheios de reentrâncias que foram formados através da ação do rio e também por outros fatores, como o movimento de placas da crosta terrestre.

Apesar da beleza do lago, alguns pontos são extremamente poluídos. É o caso da Prainha de Capitólio, uma praia artificial criada em 1988. Perto dali, esgoto in natura é jogado diretamente no lago. Mas de forma geral o Lago de Furnas é limpo e as pessoas podem se banhar sem maiores preocupações.

(Paisagem assim que se sai de barco do deck de Escarpas. A marinha estava lá no fim de semana antes do carnaval e minha amiga esqueceu sua carteira de motorista de barco... quase ficamos na vontade)

Além de um bom lugar para nadar, os moradores encontraram nesse grande espaço aquático outra diversão: os esportes náuticos. No deck principal, perto do clube, lanchas e mais lanchas ficam estacionadas. Nos fins de semana elas são usadas para dar um passeio, fazer um churrasco ou brincar de wakeboard.

Farra restrita

Escarpas é um bairro tranquilo onde a principal diversão das pessoas é andar de barco e passar o dia com os amigos, tomando uma cervejinha. Por ser um local “de elite” as regras quanto à farra carnavalesca são rígidas. A festa acontece a tarde na praça principal. Um bloco toca samba e marchinhas de carnaval e, nos intervalos, as pessoas ligam o som dos seus carros no último volume (mais de um ao mesmo tempo, o que causa uma certa confusão). Até o ano passado, um pequeno trio elétrico passava pelas ruas tocando música e seguido por seus foliões. Devido à reclamação dos moradores, porém, ele foi proibido.

A noite, as pessoas fazem festas na suas próprias casas ou se dirigem à Cápitólio para curtir os shows. Escarpas resta tranquila para aqueles que querem descansar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Essa alegria de fazer um carnaval

14 pessoas. 1 casa de 3 quartos. Muita chuva. 7 fardinhos de cerveja por dia. 1 jogo onde quem erra bebe. 6 quilos de carne para churrasco. 5 dias de muita festa. Números que ilustram perfeitamente como foi o meu carnaval esse ano.

A organização começou de forma conturbada. Desde janeiro a certeza era uma: praia. A cada semana o número de pessoas que aderia o grupo mudava. Alguns encontravam uma casa ali, outros desistiam de uma viagem aqui, e no final éramos 6 pessoas a procura de um apê na costa carioca (sul ou norte pouco interessava).

(Sala de casa. Detalhe para o pano bege pendurado na porta: uma cueca encontrada no banheiro - que virou nosso estandarte)

Uma semana antes do carnaval e uma semana antes de fechar o apê, pequeno mas sincero, alguns amigos quiseram dividir o "aluguel" pois o feriado já era na próxima semana e eles ainda não tinham arranjado nenhum lugar para ir. Voltamos atrás e encontramos uma casa em Capitólio à R$ 1800. Dois dias depois mais quatro pessoas entraram no esquema, o que daria cerca de R$ 130 para cada um. Negócio fechado.

Duas cidades em uma só

Capitólio é uma cidade simples que fica cerca de 300 km de Belo Horizonte. A grande atração do local é mesmo o Lago de Furnas, também conhecido como "Mar de Minas". O lago é a maior extensão de água do estado. Ele abrange 34 municípios e traz cachoeiras, cânions e belas paisagens naturais. Outro ponto alto da cidade é o bairro Escarpas do Lago, que começou a ser construído em 1978 e, no lugar da simplicidade, seus proprietários ergueram casas de arquitetura trabalhada e design de luxo. O resultado são construções requintadas e vizinhança rica.

(Igrejinha de Capitólio. A construção mais bonita da cidade)

Nossa situação era bem diferente: nos instalamos em Capitólio mesmo, a um quarteirão de distância da igreja da cidade. Éramos 14 pessoas dividindo um casa com sala, três quartos e um banheiro. Tenho um amigo que tem a teoria de que, no carnaval, quanto pior melhor: quanto pior sua casa mais as pessoas vão rir da situação, quanto mais tontos seus amigos estiverem maior a probabilidade de boas histórias, quanto mais feia a menina que você ficar for maiores as chances de você se tornar o melhor do grupo. E por aí vai...

Por um certo lado, ele tem razão. No Brasil, o Carnaval é aquela época do ano em que queremos curtir, esquecer os problemas e cair na farra. Se as coisas não vão bem, ok, agora é a hora de se desligar e aproveitar. As preocupações a gente deixa em casa. Não que eu ache que o feriado seja um motivo para se fazer o que quiser, beber todas, dar vexames ou ofender as pessoas. Quem faz isso sempre fica com ressaca moral. Mas casa ruim e tempo chuvoso não é motivo para não curtir e até rir da situação.

A festa

A verdade é que nos divertimos à beça. O dia começava às 12h, ainda cansados do dia anterior. Depois de tomar café da manhã a pão de sal, margarina e presunto, alguns se organizavam para para comprar a comida do dia enquanto outros já abriam uma latinha de cerveja. O som acordava com a gente: em menos de 20 minutos o mini alto falante já espalhava música por toda a casa.

Trocávamos de roupa e íamos para a garagem da casa. Enquanto o churrasco começava o grupo da bebedeira fazia uma rodinha e ficava jogando conversa fora. Uma hora ou outra, alguém pedia o baralho. Começava o sueca, um jogo em que cada carta aberta representava uma ação envolvendo um ou mais goles de bebida. A melhor carta é o 10: no primeiro as pessoas não podem falar "não" ou "num. No segundo ninguém pode dizer nomes ou apelidos. No terceiro ninguém pode apontar e, no quarto, não se pode pegar o copo com mais de três dedos. Era a carta campeã de vacilos e, por causa dela, todo mundo ficava bêbado.

(Festa na rua)

Choveu TODOS os dias. Algumas pancadas fortes e alguns momentos de sol, mas na maior parte do tempo o que a gente ganhou foi uma chuvinha insistente. Pelo menos nas tardes dos dois primeiros dias a festinha na praça da igreja estava ótima. Som alto e muita gente na rua. Dançamos e pulamos até anoitecer. Nos outros dias acabamos passando a tarde em casa, comendo, cantando e rindo.

Depois do revezamento de banhos, saíamos de casa, por volta da meia noite. A chuva dava uma certa desanimada, mas os ingressos para o Carnapitólio estavam pagos e... carnaval é festa. E os shows foram ótimos! Muito axé, algum pagode, um pouco de funk. Eles eram realizados na prainha de capitólio, onde foi montado uma estrutura com tendas, barraquinhas de comida e bebida e palco de shows. Por causa da chuva, o chão estava um lixo: brita, pedras, areia e poças d'água. Compramos até capa de chuva.

Alguns problemas aconteceram e a organização do evento falhou feio. O show do Rick e Ricardo no segundo dia não existiu (o que me deixou bem feliz, na verdade) e o show do Alexandre Peixe, no quarto dia, começou às 7h da manhã e durou 40 minutos. No mais, as bandas que tocaram eram ótimas e pulamos até altas madrugadas. Na volta pra casa, muito cansaço e algumas pessoas ainda no pique, muito bêbadas. E garanto que essa era a rotina da maioria dos turistas por ali.



(Festa a noite com show da banda Chicafé. A capa de chuva ficava dobrada, no bolso do short, pronta para ser utilizada)




No ano passado fui para Diamantina e passei um ótimo carnaval. Em Diamantina há todo um clima, uma aura diferente. Pessoas vêm de todo o país (e até de outras parte do mundo) para curtir aquela que é uma das melhores festas de Minas Gerais. Para quem não gosta de muvuca, porém, a cidade é o caos. 30 minutos é o tempo que se gasta para andar 10 metros no meio da praça onde se realizam os shows. Em Capitólio a coisa muda e eu, particularmente, prefiro. A bagunça é menor e há mais espaço para dançar e curtir com os amigos.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pequenos achados

A graça de morar em um certo lugar é conhecer coisas que mesmo um viajante atento jamais descobriria. Aquele bar que não está no guia mas que cheira a tradição. Aquela rua cheia de prédios diferentes e pitorescos. Aquela lojinha cheia de coisas bonitas a preço de banana. Aquele museu pouco badalado que oferece, vez ou outra, exposições de tirar o fôlego.

(Na França você pode encontrar mais tipos de queijo que dias no ano. Nos próprios supermercados as opções parecem não acabar)

Depois de cinco meses de "estadia" posso dizer que conheço muito bem a cidade que passei meu intercâmbio. Não que eu tenha decorado todas as suas ruelas, mas só as solas dos meus sapatos podem dizer o tanto que eu andei por lá. E nessas andanças encontrei alguns pequenos (grandes) achados.

Cartões de fidelidade - Todos os supermercados têm. Grande parte das lojas também. Se você é só um turista não vale a pena, mas se for ficar na cidade por um tempo, faça os seus. Os cartões de fidelidade são gratuitos e dão benefícios aos usuários. Em geral, eles funcionam à base do acúmulo do pontos a compra de certos produtos acumula pontos para trocar por produtos depois.

Brechós - Por acaso, no terceiro dia em que estava lá, num momento de preguiça pós-almoço, comecei a andar com meu pai pela Rue du Port. Encontramos dois ótimos brechós. Roupas boas, quase novas e baratas. Foi lá que eu voltei quando o inverno chegou e eu precisava de um casaco grande a preços módicos. Encontrei dois: um por 8 euros, outro por 12.

Pelúcia - A fachada já parece um conto de fadas. Só de olhar para a Shop Teddy Bear (também na Rue du Port) fiquei com vontade de entrar. São ursos e mais ursos de pelúcia pra menina nenhuma botar defeito. A loja tem um único dono, que a abre todos os dias e toma conta das vendas e dos produtos como se fossem relíquias de família.

(De todas as cores)

Delícias doces - Já disse que, na França, tudo que é folhado ou doce (ou os dois), é bom. Mas uma padaria merece destaque. Ela fica entre as ruas Paul Collomp e Boulevard Lafayette. Sua fachada é amarela e sua vitrine é um delírio. Os preços não são normais e a qualidade é superior à média. O folhado de queijo de cabra e o ganache de chocolate dessa padaria estão na lista dos melhores quitutes que comi durante minha viagem.

Música de qualidade - Se tem uma coisa que eu conheci bastante em Clermont são suas atividades noturnas. Na França, não é comum encontrar um bar com música ao vivo, salvo quando se fazem shows. Já a pizzaria Le Petit Bouchon fugia às regras. Todas as sextas-feiras o local trazia algum artista para tocar. Jazz, flamenco, soul music e ritmos variados. O local é confortável apesar de pequeno e o proprietário uma simpatia. A entrada é gratuita.

Ruelas - eu adorava me perder pelas ruelas de Clermont. Mas me perder mesmo (quem me conhece sabe que estou falando sério). Nessas, encontrei belas paisagens. Uma dica é pegar a rua que atravessa a Place de Jaude, Rue Blatin. Com o tempo os edifícios vão se tornando cada vez mais pitorescos e bonitos e as árvores vão tomando conta de metade das calçadas, enchendo as ruas de folhas verdes.

(Uma dessas belas paisagens que a gente encontra "por aí")

É sempre bom deixar a dica: reserve um tempo para descobrir a cidade por conta própria. E isso vale para qualquer lugar. Porque é sempre impossível conhecer um espaço em sua totalidade. Mesmo quem mora em uma cidade durante toda a vida não a conhece por inteiro. Nossos gostos, preferências, amizades, compromissos... tudo vai influenciar o passeio. Com certeza Clermont tem áreas que eu não conheço e que devem ser igualmente (ou mais, ou menos) belas, interessantes... Uma cidade são várias. E mesmo os mais entendidos vão se deparar todo dia com um novo bar, uma rua diferente ou um cantinho escondido.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Entre a obediência francesa e o jeitinho brasileiro

"Estou triste pelos franceses terem fama de serem arrogantes e sem educação. Sinceramente, os franceses são muito mais educados do que as pessoas dizem". Escrevi isso no post Gentileza Francesa, em setembro, quatro dias depois de ter chegado em Paris. Na hora, fiquei com receio de ter feito um julgamento errado. Afinal, a fama de serem "arrogantes" ultrapassa gerações.

O tempo me fez ver algumas coisas. Em geral, eles são sim, muito educados e gentis. Peça uma informação e eles farão de tudo para lhe ajudar. Entre em uma fila e eles vão respeitar essa ordem como se fosse um ensinamento sagrado. Passe na rua de short tranquilamente que nenhum homem vai soltar um "princesa", "linda" ou coisa parecida (um péssimo hábito dos homens brasileiros, por sinal).

O respeito às regras e às ordens é a glória e o fracasso dos franceses. Por obediência, eles respeitam filas, pagamentos, pessoas. E é por essa mesma obediência que eles podem acabar maltratando alguém.

(Nosso jeitinho brasileiro já foi exportado e até virou piada - para o bem e para o mal. Foto tirada desse site)

Quando estava fazendo o meu visto de estudante e tinha esquecido um mísero xerox de documento a moça do caixa mudou seu comportamento comigo, falou que não podia fazer nada até eu trazer aquela coisa inútil e me mandou repetir todo o porcesso (inclusive a fila) no dia seguinte. Dez minutos antes de as lojas fecharem ninguém entrava. E se você ainda estivesse escolhendo o produto eles diziam: "vamos fechar" e te expulsavam. Em um momento de greve de trens, uma amiga ia perder o voo em outra cidade e a pergunta que recebeu da moça quando perguntou quais alternativas ela tinha foi "isso não é um problema meu".

Em todos os casos eles estão certos. Sim. Por que não? E por que isso irrita, afinal? Porque isso mostra como o francês não se importa muito com as necessidades do outro. Se o meu horário de trabalho acabou, acabou e ponto. Se ele está em coma alcóolico e vai morrer no meio da rua não vai ser eu que vou levá-lo pro hospital e correr o risco de amanhecer com o carro cheio de vômito. Quem mandou beber?

Já nós, temos algo que é péssimo: o jeitinho brasileiro. Ele é responsável pelo esquecimento voluntário de certas regras e pela criação aleatória de uma série de benefícios que não deveriam ser fornecidos, pois ele acaba atendendo àquele que pediu com mais "jeitinho" ou àquela que tem mais influência. É a tática do malandro.

Mas como tudo, isso também é relativo. O jeitinho não funciona ns França. Mesmo. E olha que eu já tentei várias vezes. E por que ele funciona no Brasil? Porque nos importamos, nos comovemos. Se vemos alguém pior do que nós em uma fila de hospital não perguntamos para as outras pessoas que estão depois: deixamos o pobre coitado passar. Se um pai desesperado chegou na loja 10 minutos depois do horário de fechar e pede caridosamente para comprar um presente pra filha que faz aniversário, o deixamos entrar.

Se a obediência é a glória e o fracasso dos franceses, o jeitinho é o fracasso e a glória dos brasileiros. Talvez, por isso, temos a fama que temos, de amáveis e simpáticos. E também de corruptos.

Acima da média

Mas uma coisa é fato: na região de Auvergne as pessoas são ainda mais gentis. Voltei com o hábito de dizer "bom dia" e "como vai" para qualquer pessoa: na padaria, no supermercado e até no meio trânsito, sem tempo de conversar por causa do sinal, só para iniciar a conversa e pedir uma informação. No fim era a mesma coisa: "obrigada" e "tenha um bom dia", a tradução do tão repetido "bonne journée".



(Uma vida calma e tranquila... mesmo no meio da tarde de um dia de trabalho como todos os outros)

A generalização é nacional. Todos na França concordam que Auvergne é a região mais simpática e menos estressada. O contrário de Paris, onde todos são taxados de apressados e sem paciência. Realmente, você se sente um "membro da comunidade" quando está em Clermont. Quando começava o dia com aquela preguiça e precisava de um ânimo extra para ir para a aula, o cara da recepção, a moça da lanchonete e até as pessoas que eu nunca vi na vida que entravam comigo no elevador diziam bom dia com aquele sorriso. Depois dessa, a gente até fica um pouco animado.

O próprio governo da região criou uma campanha baseada nisso. Com o título "L'Auvergne ça change un vie" (ou Auvergne, isso muda uma vida) os vídeos (que podem ser vistos nesse site)trazem um parisiense que acabou de se mudar pra região e ainda não se acostumou. Em um dos curtas ele acha estranho todos se cumprimentarem nas ruas. Em outro, ele conversa com a câmera assustado, pois tinha acabado de sair de um banco, ganhado um cafezinho, conversado calmamente e resolvido todos os seus problemas. Uma realidade fora de seu alcance... tudo feito com muito humor, claro!

terça-feira, 1 de março de 2011

Tradição à mesa

A França é dividida por regiões e cidades, algo como nossos estados e municípios. A região de Auvergne - onde fica Clermont-Ferrand - tem características marcantes. Por estar no Massivo Central, a área é montanhosa e apresenta grandes extensões de terra. Dois terços da região se repartem em diversos vilarejos de 50 a 300 habitantes cada. Essas duas peculiaridades fazem do local um ambiente interiorano e agrícola, podemos dizer. Por ser assim, Auvergne se torna também uma região conservadora em comportamentos, costumes e tradições. E um dos principais ambientes onde podemos perceber isso é à mesa.

De fato, alguns dos clichês que rodeiam a culinária nacional como um todo podem ser facilmente comprovados.
1: Um francês não dispensa uma baguette (não importa a hora do dia).
2: As patisseries, aquelas pequenas padarias e docerias cheias de coisas bonitas e gostosas, estão mesmo por TODA parte.
3: Refeição é refeição, com entrada, prato principal, sobremesa e um bom vinho para acompanhar.

(Aligot, o mais famoso prato da região de Auvergne. Foto tirada desse link)

E se você está em Auvergne, à esses clichês podemos acrescentar a valorização dos produtos naturais, vindos diretamente das fazendas, e a difusão dos pratos típicos da região. De fato, deliciosos.

Tive a oportunidade de experimentar quase todos os pratos que fazem parte da gastronomia "auvergnat". O mais famoso é o Aligot, um purê de batatas com muito queijo, deixando aquela massa amarela como um chiclete. Outro que faz muito sucesso é a Tartiflette. Apesar do nome bonito, a receita não traz muitos segredos: cozinhe batatas e as pique em rodelas. Ordene-as em uma tigela de vidro e despeje pedaços de bacon e cebola fritos. Coloque creme de leite por cima, fatias de queijo Camembert para gratinar, leve ao forno e... Voilá!

(Normalmente, gratinados não têm erro. Foto tirada desse link)

Provamos também a Raclette, a convite de uma amiga durante as comemorações do mês de natal. Essa é uma daquelas comidas que aliam sabor e diversão, tal como chamar os amigos para uma noite de fondue ou sentar a beira da praia com pernas de caranguejo e martelinhos de madeira (toc toc toc). A raclette é um prato que precisa de um equipamento especial. A chapa elétrica esquenta a panela de babatas que fica por cima e também derrete o queijo (de mesmo nome) colocando-o em pequenas bandeijas de inox. Na mesa, milhares de tipos de presuntos e linguiças. Com batatas e salames no prato, jogue o queijo fundido...

(Cometi o pecado da gula umas três vezes só com essa refeição... Foto tirada desse link)

Algumas experiências gastronômicas, porém, não foram tão saborosas. Uma delas é Pote au feu. Ouvi dizer do prato, ouvi dizer e, quando fui provar, não era nada aalém de um cozido de legumes com um temperinho gostoso. A outra são as Andouilletes, linguiças feitas de... tripas. Argh! Provei, tentei gostar (juro), mas não é pra mim. Pior foi uma amiga que comeu e gostou, mas só até lhe dizerem quai eram os ingredientes da iguaria. Então, ela largou os talheres. Algumas comidas são incapazes de transpor os preconceitos gastronomico-culturais.