terça-feira, 30 de agosto de 2011

Último dia é topa tudo

Praças arborizadas, monumentos históricos, cafés encantadores. Mas nem só de charme vive Aix-en-Provence. Por que eu poderia morar lá pro resto da minha vida? Porque lá tem tudo. De um lado a tranquilidade é soberana, do outro a juventude entra em cena.

(A noite começa nos bares... Foto tirada desse link)

Aix é uma cidade universitária. Dos 142 mil habitantes, 41 mil são estudantes. E serão ainda mais: em 1º de janeiro de 2012 vai ocorrer a fusão das três universidades Aix-Marseille. Com isso será criado o maior polo estudantil da França. E é claro que isso também significa mais bares, mais boates, mais festas. Nada mal...!

Naquele dia, a gente nem precisou pensar muito no que fazer. No meio da tarde recebemos uma ligação do taxista que conhecemos na noite passada falando que tinha um primo em Aix-en-Provence. Tinha conversado com ele e contou que tinha conhecido três brasileiras e que elas estariam ali. Então o primo perguntou se tinha o nosso telefone e propôs que a gente saísse juntos, pois também não tinham nada a fazer. Foi muito estranho. Me senti como um objeto de exposição: "venham conhecer as brasileiras na França". Foi impossível dizer não...

Mas ao mesmo tempo, por que não? E torcemos para eles serem um pouco mais extrovertidos e não ficarmos como na noite anterior, com grande minutos de silência pairando no ar. Voltamos pro carro mais a noite, trocamos de roupa (sim, no carro) e dirigimos até o centro da cidade. Eles nos ligaram falando que estavam na avenida Mirabeau. Uma das vias mais importantes da cidade e, com certeza, a mais bonita. De tão arborizada, as árvores tapam o sol de quem passa ali no meio. Cheia de bares e restaurantes no entorno. Também nos disseram que o local recebe uma série de feiras e atividades ao longo do ano.

A noite ela ganha um charme a mais. No início da avenida fica a fonte da praça da rotunda, toda iluminada. Por estarmos próximos do natal, todas as árvores recebiam mil luzinhas amarelas e azuis. Mas o que mais nos chamou atenção foram os estabelecimentos: restaurantes e bares de todas as cores cheios de pessoas. E pareciam ainda mais vivos a cada minuto que passava.

(A fonte no início do cours Mirabeau. Fotos tirada desse e desse links)

Pizza e balada

A Rafa ficou dormindo no carro, no centro da cidade (deixa pra lá...). Eu e Fafá saímos para encontrar com o primo dele. Novamente, eram dois: o primo e um amigo. Eles estavam em uma das pizzarias mais legais da avenida. Comemos muito e comemos bem. Fafá pediu um carpaccio e eu um calzone. Estava disposta a pagar pois era o último dia da viagem. Eles pagaram tudo para nós. Não, eu não me sinto confortável nessas situações.

Ao menos, eles nos deixaram bem confortáveis. Eram super legais. Ficamos ensinando palavrões em português. Eles tentavam nos imitar chamando o garçom. Levantavam o dedo e soltavam um "filho da puta" e o garçom, sem entender nada, ia nos atender com um sorriso no rosto.

Saímos de lá e eles perguntaram aonde a gente queria ir. Dançar era a resposta. Resgatamos a Rafa e fomos para um pub irlandês que ficava aberto até as 2h da manhã. Bebidas, brindes e música eletrônica.

(... e termina nas boates. Como toda boa cidade universitária. Foto tirada desse link)

O espaço era pequeno, mas deu pra se divertir a beça. Dançamos muito, inclusive com pessoas que a gente nem conhecia. Tentamos cantar em português, erramos feio e ninguém percebeu. Conhecemos um monegasco tão humilde capaz de se chamar de pobre mesmo sendo dono de um Porsche. Levei um cutucão no ombro e tive de responder a uma menina que não, eu não era lésbica. Enfim, a noite foi ótima!

E então... não dormimos. Às 3h da manhã, saímos de Aix-en-Provence em direção a Clermont-Ferrand. A Fafá capotou de sono. Era eu e a Rafa revezando no volante e compartilhando técnicas para não pescar no meio da estrada enquanto a outra dormia. Alguns mil quilômetros depois (e erros da portuguesa do GPS), casa, comida e cama. Uma viagem para recordar nos sonhos!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Vinte anos na Provence

"Poucos quilômetros ao sul de Banon se espalham as montanhas do Parque Natural do Luberon, onde rebanhos de ovelhas ainda cruzam as estradas, vendedores de mel colocam mesas na porta das casas para expor seus produtos e as feiras de rua, com dias marcados, ainda são o maior acontecimento social da semana. Ali, motoristas peritos conduzem a cidadezinhas como Bonnieux, Ménerbes ou Gordes, apresentadas ao mundo pelo escritor Peter Mayle."

(A pequena e aconchegante Gordes, um dos lugares imperdíveis de Provence segundo Peter Mayle. Foto tirada desse link)

Esse texto é da Rachel Verano, uma jornalista que passou os últimos 7 anos em viagens de volta e em casas fora do Brasil. Entre tantos países, cidades, casas de veraneio e estações de esqui, uma região ficou na memória: Provence. Na matéria que foi capa da Viagem e Turismo no mês de junho, ela conta um pouco dos encantos dessa região.

Provence atrai turistas e cativa seus futuros moradores. É o caso do publicitário e escritor inglês Peter Mayle, que se mudou para a Provence há 20 anos e escreveu best-sellers como Um Ano na Provence.

Que dicas o senhor daria para um turista de primeira viagem?
Não tente ver tudo de uma vez. Vim pela primeira vez há 20 anos e sigo descobrindo lugares. Escolha uma base como Aix, Avignon ou Arles e tente se lembrar de que você pode sempre voltar.

O que considera imperdível?
O Luberon, os campos de lavandas de Haute Provence, o Mont Ventoux e a Abadia de Sénanque, nos arredores de Gordes.

Se fosse um turista, o que o senhor nunca faria?
Nunca estaria com pressa. Nunca perderia o almoço.

(Foto tirada desse link)

O que o senhor aprendeu sobre a boa vida do sul da França?
A relaxar. A apreciar as estações. E muito sobre comida e vinho.

Depois de 20 anos, o senhor ainda se sente um estrangeiro?
Serei sempre um estrangeiro. E isso me ajuda como escritor, porque ainda encontro interesse e diversão nos pequenos detalhes do cotidiano.

A Provence mudou muito desde que o senhor chegou?
Não creio. Há mais bons restaurantes e hotéis e vinhos muito melhores. A excentricidade do provençal, que é o que me fascina de verdade, essa vai durar para sempre.

Onde fica, ou vai ficar, a próxima Provence?
Próxima Provence? Isso nunca vai existir. A Provence é única.

"Quem se esquecer do mapa ou do GPS vai esbarrar em vilas ainda mais escondidas, como Lourmarin (Mayle se refugia lá hoje em dia, depois de ver sua casa em Ménerbes invadida por excursões nos últimos anos) e Cucuron, oito quilômetros adiante, uma vila cercada de oliveiras e vinhedos onde mal vivem 2 mil pessoas. Olhos mais atentos vão reconhecer, na cidadezinha, uma das mais belas locações de Um Bom Ano, adaptação para o cinema de um dos livros de Mayle: a Place de l’Étang, com seu pequeno lago cercado de plátanos, onde os personagens de Russell Crowe e Marion Cotillard têm seu primeiro encontro"

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O dia em que eu me encantei pela França

Quando escutamos alguma palavra certas imagens se formam na nossa cabeça. Sempre que ouvia a palavra "França" pensava em uma rua pouco movimentada, com árvores de troncos claros e folhas verdes. Os prédios históricos de 3 andares, todos alinhados, guardavam lojas no primeiro andar. Uma delas seria um café de nome chique, com enormes guarda-sóis vermelhos na calçada. Em baixo dos guarda-sóis, mesas e cadeiras de madeira. Os garçons de calça e blusa social atendiam a todos. Cafés, chás e pequenas cestas de croissant. Jovens fumando com classe e estilo. Essa França existe!

(A imagem que descrevi acima ganhou forma em Aix-en-Provence)

Quando chegamos a Aix-en-Provence a única coisa da qual nos arrependermos foi de não termos visto fotos antes. Se isso tivesse acontecido eu gastaria mais tempo ali. Dois dias, uma semana, a vida toda. Aix é a cidade perfeita para se morar. Ela tem arte, história, modernidade. Pessoas amáveis e jovens despojados. Tem cafés, bares, lojas, praças e uma vida cultural que anda a mil por hora. E o melhor: te faz sentir especial. Não da forma como você se sentiria em Saint-Tropez, mas especial simplesmente por existir e poder estar ali. Em Aix-en-Provence, a sensação é a de que não se pode estar em lugar melhor.

O carro ficou distante do centro, no estacionamento de uma faculdade. Passamos por alguns parques e praças até chegar à cidade de fato. A arquitetura en Aix foge um pouco do estilo das demais cidade do sul da França. Ela preserva as cores quentes da região e seus prédios ao estilo beira-mar, mas acrescenta a isso uma série de construções históricas clássicas.

(Torre próxima à prefeitura da cidade. Foto tirada desse link)


Diferença histórica


A história de Aix-en-Provence talvez seja o motivo pelo qual sua arquitetura se diferencie das demais. A cidade sempre foi disputada por um sem número de culturas diferentes. Começou ainda no século IV a.C. quando uma tribo celta instalou sua capital ao norte da cidade. Em I a.C. os gregos de Marseille destruíram a cidadela celta e construíram uma vila perto das fontes de água quente de Aix, que tornou-se um entreposto seguro que garantia o comércio entre Marseille e os romanos. Uma série de tribos da Europa Central lutaram pela cidade sem obter sucesso.

Foi por causa do interesse dos romanos em Aix-en- Provence que a cidade ganhou uma série de construções interessantes, inclusive um teatro. Algumas partes da cidade passam a ser negligenciadas, o que não mostra o declínio de Aix, mas sim uma reorganização territorial. Quando se tornou a capital de Narbonne no século IV, foi construída uma diocese. Até o século VIII ela foi invadida por visigodos, francos, lombardos e sarracenos.

(Resquícios da antiga mistura cultural)

A coisa muda no século XII, quando os condes de Provence resolvem deixar as cidades de Avignon e Arles - aonde já detiam o poder político e religioso - e construir uma nova morada. Aix ganha um novo status e se transforma na capital de Provence. E com a ida do Rei René para a cidade, ela se vê dotada de um crescimento sem precedentes. Centro cultural, centro universitário, tribunal de direito, prédios públicos...

Os que eu vi

O centro histórico de Aix-en-Provence é realmente encantador. Mil ruelas e mais uma centena de ruas com grandes calçadas. Nelas, vasos de flores, bicicletas recostadas, cadeiras que acomodam os mais diversos tipos de pessoas. Entre uma rua e outra, um belo edifício. A igreja Saint-Jean de Malte é uma delas. finalizada em 1277, é a primeira igreja gótica de Provence. A torre chega a 67 metros de altura e se constitui no ponto mais alto da cidade.

(O cume da cidade. Foto tirada desse link)

Outra igreja que vale a visita é a Catedral Saint-Saveur. Segundo a lenda, ela foi construída em cima de um templo dedicado ao deus Apolo. O prédio reúne uma série de estilos arquitetônicos distintos. A primeira fachada, de influência românica, foi feita ainda no século XII. Mais tarde, foi incluído um muro feito de blocos. A porta é a parte mais recente do local e ganhou inspiração gótica.


(Contraste de luzes na catedral)


A outra igreja que visitamos é a Madeleine. Por causa da sua fachada, ela foi consagrada durante muito tempo como o mais belo prédio da região de Bouches-de-Rhône. Não foi possível entrar no local pois a reforma da igreja, que começou em 2006, deve terminar somente em 2013. Mas isso era o de menos. A praça dos pregradores, onde fica a igreja, é um encanto em si só.

O fonte dos pregadores, que culmina em um grande obelisco no meio da praça, sinaliza o início da região central de Aix. A praça também recebe uma feirinha em dias específicos da semana. Aliás, feiras são coisas comuns por ali. A feira de discos, CDs e DVDs fica na praça de Joana D'arc. A feira de antiquidades na rua Mirabeau. A feira de livros antigos, na praça da prefeitura. Isso para citar algumas.

(Obelisco dos pregadores. Ponto de encontro e convite para um café ali perto)

A cidade também esbanja museus e galerias de arte. Visitamos o museu histórico de Aix e ali pudemos ver dezenas de obras de arte que retratavam a cidade. Eram aquarelas e esculturas que traziam os mais distintos pontos de vista sobre a cidade. Uma exposição paralela do mesmo museu trazia as peças de artesãos representando as festas típicas e da cidade em mil bonequinhos e cenários diferentes.

Aix-en-Provence tem orgulho da sua arte. Principalmente se levarmos em conta que ali nasceram artistas tão importantes para o país quanto o escritor e jornalista Émile Zola e o pintor Paul Cézanne. Este, inclusive, é reverenciado. As camisas, chaveiros e dedais de costura das lojinhas de souvenirs levam seu nome e seus quadros estampados. O governo preserva um museu em seu nome, uma galeria de arte e a casa onde viveu de forma sagrada.

(Especialistas de todo o mundo ainda perguntam a influência da cidade nas pinturas do pós-impressionista francês. Foto tirada desse link)

Não é difícil entender porque Cézanne passou a vida toda por ali. Eu faria o mesmo. Muitos fariam o mesmo. Aix-en-Provence é uma cidade que não precisa de muito para mostrar o melhor de si.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Vou de táxi

Estávamos dentro de um pequeno Twingo dirigindo por uma cidade caótica, entre ruas desconexas e pilhas de lixo a cada esquina. Três mulheres em um carro já não é coisa boa. Apesar da Rafa ser a responsável pelas questões geográficas, apesar de termos a portuguesa do GPS... ainda assim nos perdíamos. Em Marseille, à procura de um lugar legal para vermos ou até de um bar/boate bacana pra sentarmos e conversarmos, um carro fechou o nosso.

(Um taxista boa pinta. Foto tirada desse link)

Antes fosse um turista como nós, ou até uma outra mulher (sou machista no trânsito), mas era um táxi. Um profissional. A Rafa olhou para ele com fogo nos olhos. Mas a Fafá olhou com todo o charme do mundo. E eles ficaram se olhando... E quando o sinal abriu e a Rafa arrancou, eles continuaram se olhando. O táxi começou a nos seguir. Eu não estava acreditando naquilo.

Quando a gente parou em outro sinal ele parou do nosso lado. Até que ele era bonitinho! A Fafá deu o número do celular dela. Ele ligou. Perguntou se a gente era turista, de onde tinha vindo e se tínhamos alguma coisa pra fazer. Marcamos que ele iria nos ligar daqui a 40 minutos e a gente ia se encontrar em algum ponto da cidade, segui-lo e, enfim, sair para algum canto.

(Foto tirada desse link)

Paramos o carro e sem dizer nada olhamos uma para a outra. Começamos a rir sem parar. Foi aquele fuzuê típico que só boas amigas entendem, quando todas começam a falar ao mesmo tempo tentando entender COMO aquilo foi acontecer com a gente e imaginando as situações mais estúpidas do mundo. No fundo foi sorte. Talvez fosse impossível para nós escolher um lugar legal no meio daquela cidade imensa. Agora, um habitante de Marseille ia levar a gente pra sair.

Quando nos encontramos ele tinha chamado um amigo também. Perguntou o que a gente queria fazer e o mais apropriado pareceu ir em um bar para conversar. "Vocês conhecem narguilé?" É uma espécie de cachimbo gigante com um cabo comprido onde a gente puxa a a fumaça. A gente conhecia apesar de nunca ter experimentado. O lugar que ele nos levou era um bar aonde as pessoas ficam sentadas, conversando, bebendo, comendo e fumando narguilé.

(A prestigiada fumaça do oriente. Foto tirada desse link)

O local era agradável. Música baixa e pessoas que conversavam tranquilamente. Nem a fumaça incomodava porque o narguilé tem cheiro e sabor. Pode ser de morango, maça-verde, baunilha... o nosso era de framboesa. Fiquei observando as pessoas puxarem o fumo. Nunca fumei e não sabia fazer aquilo, mas decidi que ia experimentar também. Se fosse pra fazer isso alguma vez, não seria em cigarro, que tem um cheiro ruim. Quando chegou a minha vez todo mundo ficou me olhando. Principalmente as meninas com aquela cara "não é possível que vou ver a ju fumar". A Fafá teve desejos de filmar a cena.

É estranho ter fumaça descendo pela sua garganta, mas até que eu curti. O gosto era bom. O melhor é quando você joga a fumaça pra fora. O taxista fez bolinhas no ar e tentou me ensinar. Eu, como esquecendo que nunca tinha fumado na vida, fiquei tentando fazer igual.

(Foto tirada desse link)

Depois saímos para comer. A única exigência que fizemos foi: um lugar barato. A ênfase foi tanta que paramos em uma lanchonete de beira de estrada à altura do nosso pedido. O prato do dia era croque-monsieur requentado. Eu pedi pra requentar o meu. A Rafa também. A Fafá foi mais esperta e pediu uma baguete com recheio de frango que foi feita na hora. Mas todas comemos com água na boca. Comida quente naqueles dias era um luxo que a gente não estava dispensando.

A essa altura do campeonato a Fafá já tinha se dado bem há muito tempo. Hora da despedida. Uma hora da manhã voltamos para o hostel. Dente escovado pijama no corpo. Finalmente uma cama. Duas camas.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Clima de cidade grande

Marseille foi uma cidade que eu não conheci. Se me perguntarem o que achei de lá vou citar pontos turísticos, o comportamento das pessoas, as impressões que vivi, mas jamais poderei agir como um conhecedor. Jamais poderei falar "você não pode deixar de ver tal lugar" porque eu simplesmente não sei dizer que lugar é esse.

Não dá pra visitar Marseille em um dia. Ela é imensa. Principalmente para um país cheio de cidades "anãs" como a França. Muitos dos meus amigos franceses moram em vilarejos de 300 habitantes. Por isso é normal que Clermont, com seus 150 mil habitantes, seja enorme. Marseille então, no auge dos seus 850 mil, é gigantesca.

(Clima de cidade grande até nos posteres colados nas ruas)

Chegamos no final da tarde, na hora do rush. Foi engraçado porque até tinha me esquecido o que era engarrafamento. Nunca vi engarrafamento em Clermont. As ruas sempre tinham muitos carros estacionados, mas como o transporte público é pra lá de eficiente a maioria ia trabalhar de ônibus ou metrô, sem contar nas bibicletas que rodavam felizes pela cidade plana. Mas Marseille tem cara de cidade grande. Ruas, avenidas, viadutos... e um trânsito barulhento às seis horas da tarde. Isso sem falar na greve de caminhões de lixo que foi tema do último post... Ficamos com preguiça de dar uma voltinha pra conhecer um pouco melhor a cidade e fomos direto para o hostel.

Depois de um dia sem tomar banho e alguns dias sem uma cama decente, o hostel que encontramos era como o paraíso. Era todo colorido e cheio de cadeiras, além de possuir totó, mesa de sinuca e uma grande cafeteria perto da cozinha, utilizada para eventuais festinhas. Tomamos banho, cochilamos e fomos dar uma volta.










(Nosso hostel: um sonho dourado)

Vida noturna

É noite e Marseille não para. Os bares estão cheios de gente e as boates começam a abrir. Não encontramos um quarteirão sem lojas, bares ou pessoas ali no centro da cidade. Encontramos a vida noturna que a gente procurava. Com a certeza de que a gente ia fazer alguma coisa naquela noite, fomos conhecer alguns pontos históricos da cidade.

O primeiro lugar que vimos foi a igreja São Vicente de Paula. No local aonde foi construída a igreja existia uma capela protestante do século XVII. Mas em 1868, após o regime francês que separou as diferenças religiosas das decisões do estado, a capela foi destruída para dar lugar à nova igreja. As obras terminaram em 1886. De estilo gótico, o principal ponto da igreja são suas duas torres de 70 metros de altura.

(Saint-Vincent de Paul. Foto tirada desse link)

Tivemos sorte com o outro cartão postal daquele dia porque ele, com certeza, fica mais bonito a noite. Foi sem querer que chegamos até a prefeitura do departamento (região) de Bouches-du-Rhône, um prédio de 90 metros de comprimento construído em 1866. Quem olhar com um pouco mais de atenção para o edifício vai ver que ele apresenta algumas curiosidades. Por exemplo, cada uma das fachadas do prédio apresentam quatro estátuas. Outro fato interessante é que as janelas de cada andar apresentam um desenho diferente: as do primeiro andar terminam em forma de círculo, as do segundo em forma de triângulo e as do terceiro de forma retangular.

(A noite os jardins com luzes amarelas, roxas e verdes deixam o espaço ainda mais bonito)

Vida errante

No outro dia voltamos ao centro histórico para continuar o passeio, sem um roteiro pré-estabelecido. A um quilômetro da capela de São Vicente de Paula fica o antigo porto da cidade. Para chegar até ele é só andar pela avenida La Canebiére, a principal avenida do centro histórico de Marseille. Curioso foi descobrir que o nome Canebiére veio da palavra latina cannabis (sim, maconha). Isso a cidade era uma das maiores fabricantes de cordas do mundo e elas eram feitas com as fibras dessa planta.

O antigo porto foi o centro econômico da cidade até a metade do século XIX, quando o novo porto foi construído. Durante a Segunda Grande Guerra o local sofreu diversos ataques. Suas rotas foram dinamitadas e mais de 30 mil pessoas foram expulsas do local. Grande parte dos judeus que moravam ali foram enviados aos campos de concentração franceses...

(Na "garagem" do antigo porto encontramos barcos particulares e embarcações para passeios turísticos)

Com o fim da guerra, o local foi reconstruído. As principais mudanças levavam em conta as atividades comerciais do local. Embarques e desembarques de mercadorias se tornaram cada vez mais raros e em 1976 a pesca foi transferida para o porto de Saumaty. Hoje, o porto é um espaço agradável para fazer uma caminhadas e aproveitar o dia. Os únicos barcos estacionados são de uso particular ou turísticos.

Quem segue o calçadão até o final do porto vai chegar ao Forte Saint-Jean. Há vestígios de que os primeiros habitantes desse pedaço de terra foram os gregos, ainda no século VI a.C. O forte foi construído estrategicamente pelo rei René na metade do século XV. Além de proteger a cidade, o forte se tornou prisão na época da Revolução Francesa e depósito de munição durante a Segunda Grande Guerra.

(O forte e vista. Foto tirada desse link)

Para nós, o porto não guardava algum problema. Me lembro que ficamos cerca de uma hora por ali, apreciando a paisagem. De todos os pontos que visitamos na cidade, aquele era o mais aconchegante. O céu azul e sem nuvens deixava o sol quente chegar e diminuir o frio do final de outubro. Nesse mesmo dia uma amiga me enviou uma mensagem dizendo que na cidade dela tinha acabado de nevar. Ela morava a 100km de Clermont. Agradeci aos deuses por estar ali, perto do mar, com o sol a pino. Estava ansiosa para ver neve, mas com receio do frio, e sabia que ao voltar para Clermont passar por isso seria uma questão de tempo.

Ali do forte vimos duas igrejas. Uma estava a esquerda, em um ponto que devia ser o mais alto da cidade. Era a basília de Notre-Dame-de-la-Garde. Para chegar ali seria preciso voltar ao centro histórico e andar sabe-se lá quanto. A outra estava a direita, a alguns metros de distância, as acessível. Diferente e muito bonita.

(O pijama de Marseille. Um apelido engraçadinho para uma suntuosa catedral. Se ela parece pequena na foto, compare com os carros )

Foi assim que chegamos à Catedral de Marseille. Já disse que estou longe de conhecer a cidade, mas tenho certeza que vale a pena deixar um monte de outros passeios para ir na Catedral. O edifício foi construído de 1852 à 1893, e é a única catedral feita na França durante o século XIX. De estilo romano-bizantino, os habitantes a apelidaram de "pijama", por ser listrada de preto e branco.

Por dentro ela é ainda mais impressionante. São 142 metros de comprimentos e torres que chegam a 70 de altura. As pedras utilizadas para sua construção foram, em sua maioria, pórfiro e mármore. O ouro está em todos os lados. Sem contar que a catedral é um deslumbre de cores. É um assunto que vou deixar para Paris, mas já adiantando, eu adoro cores. Isso começa no meu guarda-roupa e acaba em monumentos. Cidades beges e clássicas são lindas, mas nada como espaços coloridos. O clima é diferente. E foi o que eu senti na catedral. Dos mosaicos no chão às pinturas do teto: o espaço é impressionante. Foi uma última visita de sorte.















(Detalhes de tirar o fôlego)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A França está em greve

O tempo todo. Entra ano sai ano os franceses têm algum motivo para irem às ruas protestar. E o que chama a atenção é como todo mundo adere à causa. Se a razão para a greve é o aumento do salário dos motoristas de ônibus, os funcionários do correio também param. Se a origem dos problemas é a restrição de gastos hospitalares por parte do governo, os estudantes lideram o movimento.

(Última greve geral em Paris, em setembro do ano passado. Foto tirada desse link)

Não é brincadeira. Comecei a escrever no google "greve frança 2010" e fui abaixando os anos e décadas. Em TODOS os anos que pesquisei encontrei artigos de jornais dizendo que os franceses protestaram por causa de alguma coisa, qualquer coisa.

Não estou dizendo que o motivo deles não é digno. Por vezes, senti inveja de toda a movimentação que eles são capazes de fazer. Aqui no Brasil cada um se preocupa com as suas razões. Ninguém adere a reivindicação dos professores públicos, dos médicos que ganham miséria ou dos motoristas que têm uma rotina de trabalho estafante. E ainda reclamam que os protestos estão atrapalhando a vida de todo mundo. O francês consegue entender. E se não entende entra na onda sem reclamar demais pois a causa sempre lhe parece justa.

Motivo histórico

A França faz greve porque? Porque funciona. Em 1789 a população foi às ruas e... voilá: fim de monarquia, início de república, garantia de direitos sociais. Foi feita a Revolução Francesa. Outro exemplo aconteceu em 1968. A greve geral foi responsável por enfraquecer o governo e abalou os costumes étnicos, sexuais, culturais e classistas de toda uma sociedade.

(Quando a criatividade se juntou às manifestações em maio de 1968. Foto tirada desse link)

No Brasil ninguém acredita mais em greve. O sindicato começa, a população não ta nem aí, eles fazem uma passeata no centro da cidade na hora do rush, a população fica ainda com mais raiva e o governo aprova tudo que eles não queriam aprovar. Conseguem no máximo um pequeno aumento de salário. Que não adianta muito se acompanharmos de perto o aumento dos preços no mercado. A França está começando a ser assim. Muitos jovens me diziam: isso não vai dar em nada, o Sarkozy vai assinar a lei (como realmente assinou). Mas ainda é diferente. Eles sabem que com uma grande movimentação, podem mudar as coisas.

Trabalhar mais? Eu?

Em 2010, o governo francês apresentou uma proposta para aumentar a idade mínima para aposentadoria. A Assembleia já tinha aprovado e o papel estava no Senado para aprovação. O último a assinar seria o presidente Nicolas Sarkozy. Se todos apoiassem a proposta, a idade para aposentadoria passaria de 60 para 62 anos. E bem, se tem uma coisa que os franceses gostam mais do que fazer greve é de não trabalhar.

(População sai as ruas de Marseille. Era só o início daquela manhã...)

Os protestos começaram em março e se tornaram cada vez mais intensos. O ápice das manifestações aconteceu nos meses de setembro e outubro. A frente dos movimentos estavam oito grandes centrais sindicais francesas, que conseguiram mobilizar não só os aposentados mas, principalmente, estudantes e os setores de transporte ferroviário, de transporte urbano e de telecomunicações.

Quando a coisa começou a pegar fogo eu estava em Clermont. Em setembro começaram as manifestações. Eles saíam da Place de Jaude e caminhavam por várias ruas, sempre passando na frente da prefeitura, das escolas e universidades. Foi então que as passeatas passaram a ser constantes e eles estabeleceram sua "sede" em um canto da praça.

Então começamos a ver estudantes manifestando. Universitários e - pasmem - alunos de ensino fundamental. Alguns pareciam estar lá pela farra, mas grande parte realmente entendia o significado da proposta de governo e, bem, também não queriam ter de trabalhar mais dois anos para se aposentar. Depois disso, foi uma cascata.

O train, que por vezes funcionava só até a praça e tinha que parar por lá para não atropelar os manifestantes, comeceu a deixar de passar. O acesso as salas de aula estavam bloqueadas com cadeiras e mesas e o elevador parado. Alunos e professores iam à Universidade mas não podiam subir. Perto do início da nossa viagem, escutamos que em certas cidades os postos de gasolina não distribuiam combustíveis e que os caminhões estavam travando algumas estradas. Caos.

(Alunos de 14 a 18 anos também entraram na luta. Foto tirada desse link)

O caos chegou mais forte até nós em dois momentos. O primeiro foi quando a Cíntia ia para Portugal durante as férias de outubro. Quando chegou na estação de trem, o diálogo foi mais ou menos assim:
_ As linhas não estão funcionando
_ Mas se eu não pegar esse trem eu vou perder o avião.
_ Isso não é problema meu.
E então ela me ligou e fomos correndo alugar um carro. Viajamos por mais de uma hora até Saint Etienne. Ela chegou 10 minutos antes de o avião decolar. Demos sorte.

O segundo foi em Marseille, a penúltima cidade do nosso roteiro. Sempre escutamos que em alguns locais a greve era mais acentuada. Eram Lille, Paris, Bordeaux e Marseille. Pensamos que essa "acentuação" fosse em número de pessoas na rua ou em quantidade de placas e penduradas pelos edifícios públicos. Mas quando o assunto é greve, os franceses são bem originais. Ao chegar em Marseille, as esquinas estavam cheias de lixo. CHEIAS.

(Foto tirada desse link)

Pensamos que os caminhões estavam por passar, ou passariam a noite. Mas a verdade é que eles também estavam em greve. Alguns passavam esporadicamente para tirar o excesso, mas a ideia era que o lixo ficasse por ali mesmo, atrapalhando e enojando todo mundo.

Chegamos quase a noite e fomos procurar um hostel. Chegamos, nos alocamos, tomamos um banho demorado e saímos. Marseille tem grandes avenidas e ruas estreitas. Nós demos a sorte de entrar em uma rua estreita no momento em que um caminhão de lixo (vejam vocês) resolveu melhorar um pouco aquela zona. Ficamos 40 minutos atrás de uma fila de carros cheirando aquele delicioso odor. Coisas que só acontecem na França.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Santo forte

Na nossa viagem, cada uma tinha uma função mais ou menos estabelecida, fruto das nossas carácterísticas pessoais. A Rafa era a responsável pelas questões geográficas. Quando o assunto era mapas ou direções a serem tomadas colocávamos ela na frente. Eu era a responsável cultural. Pesquisei e fiz um mini roteiro antes da viagem e sempre falava aonde valia a pena ir se o quesito era museu, centro cultural, feiras, parte histórica da cidade e por aí vai. Juntas, dividíamos a responsabilidade pela grana. A Rafa sabia fazer contas por causa da engenharia, eu sabia economizar nos mínimos detalhes, porque sou pão dura mesmo.

(Nosso almoço era algo desse tipo: comprado em supermercado porque rendia mais. Foto tirada desse link)


A Fafá era o nosso braço social. Conhecemos pessoas em todas as cidades por causa dela. Em Mônaco umas brasileiras começaram a puxar papo no ponto de ônibus, preocupadas com o horário. Em Nice conhecemos um outro brasileiro que nos contou a vida dele como chefe de cozinha na cidade. Em Cannes, mais brasileiros. Com eles sentamos na beira da praia e ficamos uma hora conversando.

A coisa foi ficando mais palpável em Saint-Tropez, quando conhecemos os garçons do Bar du Port e fomos na boate com eles. Agora, em Toulon, a Fafá superou nossas expectativas. No porto, acessamos uma lan house e ela voltou para resgatar os óculos de sol. Quando a encontramos novamente ela estava conversando com dois caras, que divulgavam uma festa em um bar aparentemente novo. Banda de reggae, música ao vivo e drinks exóticos. A festa seria na quinta e não poderíamos ir, mas ele foi com a nossa cara. Nos deu o folheto e ficou insistindo para passar por lá ainda a noite.

(To fazendo propaganda mesmo. O bar é ótimo, os shows por lá devem ser ótimos. Foto tirada desse link)


Falaram que não ia ter nada, mas como eram os donos do bar, sempre abriam o espaço para os amigos em dias comuns. Passavam a noite jogando video game, conversando, bebendo, e por aí vai. Explicamos que tínhamos que arranjar um local pra dormir e - pasmem - ele se ofereceu. "Tem uns sofás no espaço, vocês podem dormir por lá. São minhas convidadas". Agradecemos e rimos entres nós: "Claro que não vamos... até parece...". Mas no fundo a gente sabia que ia dormir lá.

Quando caiu a noite colocamos a portuguesa do GPS para funcionar. O local se chamava L'impasse e ficava em na cidade de Seyne-sur-mer, do lado de Toulon. Pensamos que seria um boteco. Em primeiro lugar eles eram novos. Não deviam ter muito dinheiro para investir em um local bacana. Em segundo lugar estavam chamando três estrangeiras para dormir lá. Não devia ter nada de valioso.


(Uma ideia de geral de como era o L'impasse)

E é nessas horas que a gente quebra a cara. O L'impasse era lindo. O espaço foi decorado por eles mesmos. Na parte de cima uma oficina aonde dois colegas trabalhavam na marca de roupas que eles desenvolviam. Eram blusas e moletons estampados com a cara de um macaquinho, de todas as formas. Eram lindas. Lá embaixo, o espaço era bastante amplo. O palco contava com instrumentos musicais e aparelhos de discotecagem de última geração. Quando o local não recebia shows eles dixavam alguns sofás e pufs para as pessoas se sentarem enquanto conversavam e bebiam. Por falar em bebida, o bar não tinha muitas opções, mas as que tinham eram caras.


(Aperitivos como chocolate e amendoim em meio as bebidas do bar)


Quando chegamos ele nos disse para deixar as mochilas em qualquer canto. Abriu um Bayles logo de cara e ficou oferecendo vinhos e licores. Não parecia se importar em gastar dinheiro ou em cobrar de visitas. O que queria era uma noite agradável. Chamou alguns amigos e ficamos lá a noite toda. Outras pessoas apareceram do nada, como dois meninos que entraram procurando cigarro. Não encontraram, mas ficaram por lá também.


Por volta das 2h da manhã ignorei a conversa da galera, me deitei no sofá e dormi. Música, conversa, luz... nada ia me atrapalar. Estava morta. Ele não ia dormir por lá e nos disse para fechar a porta quando fossemos embora. No outro dia, levantamos, arrumamos tudo, deixamos um bilhete agradecendo e fomos embora.

(Em direção à mecânica. Fala se não parece que as moças da janela estavam rindo da nossa cara?)

Entramos o carro, começamos a rodar e sentimos que algo ia mal: o pneu tinha furado... estava lá no chão. E o mais legal foi perceber que o Twingo não tinha step. Que legal. Paramos na frente de uma imobiliária e liguei direto para o pessoal que nos alugou o carro lá em Clermont. Ele entrou em contato com o reboque que ia levar a gente pra ver o que tinha acontecido com o carro. Várias coisas passaram pela nossa cabeça. Acabou a viagem. O cara da locadora falou que se fosse o pneu mesmo teríamos que pagar. Ou seja, o carro ia ficar em Seyne-sur-mer porque não tinhamos dinheiro. Literalmente.

O nosso amigo do L'impasse nos ligou e falamos o que estava acontecendo. Ele foi prontamente nos encontrar. Nos levou para tomar chocolate quente enquanto o reboque não chegava, foi com a gente até a mecânica, conversou com o moço. No final, descobrimos que o problma era na câmara de ar e que pagaríamos só 17 euros. Saímos dali e ele pegou o carro para nos mostrar a cidade. Passamos pela parte central e subimos até um mirante que dava uma linda vista do mar.

(Uma visão geral de Seyne-sur-mer. Linda, como as cidades francesas devem ser)

O lema do dia? Turista tem santo forte. Depois disso tudo, nada pior iria nos acontecer. Mais calmas, seguimos para Marseille.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A velha nova Toulon

Imagine a capital mineira limpa, sem lixo nas ruas, sem pichação nos prédios e com as suas construções Art-decó preservadas. Eu imagino porque eu vi. Vi o futuro de Belo Horizonte em Toulon. Chegamos lá um pouco antes da hora do almoço e a identificação foi instantânea. Toulon lembra muito BH.

(A Toulon que se parece com Belo Horizonte é mais ou menos essa: uma cidade de prédios médios que ainda guarda espaços abertos para o lazer da sua população. Outra semelhança: os lindos prédios que apareciam no meio do nada)

Em primeiro lugar, o número de prédios, uns do lado dos outros. Ao contrário das maior parte das cidades francesas, as janelas aqui não tem sacada em bronze, arrumadas com plantas. As janelas são janelas, e só por isso a cidade já se parece um pouco mais moderna. Depois são as ruas pequenas e as avenidas largas. Com trânsito. Longe de ser como o nosso tráfego caótico, mas a cidade tem trânsito. Por último, a mistura de prédios antigos com novos. Você está lá passeando e, de repente, uma construção muito bonita aparece.

Mas só pelo fato de ver como a cidade se parece com Belo Horizonte, comecei a buscar as diferenças. A primeira é o cuidado o patrimônio. Tudo preservado e bem sinalizado. A segunda é a natureza. Assim como BH, o concreto se mistura ao verde. Na capital mineira as plantas são mais abundantes, mas jogadas a sorte. Em Toulon elas são podadas e parecem ter sido perfeitamente encaixadas no cenário local. Por último, e talvez o ponto mais importante, é a limpeza. É mais importante ter menos (menos monumento, menos história, menos movimento) do que ter demais e não saber cuidar. E Toulon sabe disso. A cidade é um brinco!

(A noite cai, a limpeza fica)

Nas minhas perspectivas mais otimistas, a capital mineira pode um dia ficar parecida. Nunca igual. Toulon carrega uma história que começou antes mesmo da colonização romana. Apesar de nunca ter sido o grande alvo de ataques das frotas inimigas, a cidade mantém a principal base naval do país. O porto militar de Toulon, que começou a ser construído ainda em 1514, foi o ponto chave para diversos conflitos, das loucuras de Napoleão Bonaparte às atrocidades da Segunda Grande Guerra. Mas foi somente nessa última que o local deixou de ser reduto de segurança. Com os ataques, diversos barcos, pontes e plataformas navais foram devastadas. As construções próximas ao porto também foram destruídas e tiveram se ser refeitas depois.

(O arsenal da cidade. Foto tirada desse link)

Depois da Guerra a cidade reencontrou a paz, mas passou a ter de lidar com outros tipos de conflito. Um deles era o preconceito com os africanos que chegavam à Toulon fugindo das guerras civis que tomavam conta dos seus países, principalmente os argelianos. O outro foi a crise econômica e social que chegou com força a todo país na década de 1970.

A partir dos anos 2000 essa pequena-grande cidade francesa tenta se afirmar como metrópole regional. Um dos projetos em que a prefeitura investiu visava a revitalização da parte antiga da cidade. Fato é que a cidade hoje é um exemplo de como aliar progresso e história.

Parte velha: reflexo da cidade

Depois de estacionar o carro fomos andando por aí. A cada esquina um prédio diferente, aqueles prédios que parecem importantes mas a gente nunca sabe porque? Hoje, grande parte deles serve ao governo. São secretarias de educação, esporte ou mesmo prefeitura. Outros se tornarão espaços preservados, como o Museu de Arte de Toulon. Lançado em 1888, ele abriga uma coleção de pinturas, esculturas, fotos e outros tipos de obra que vão do século XV ao século XX. A visita ao prédio por si só já mostra a grandiosidade do local.

Passamos também por outros pontos importantes da cidade, como a Praça da Liberdade. No enorme espaço aberto tem barraquinha de bala de goma, livraria e uns tantos coqueiros. Mas a parte mais bonite é a Fonte da Federação, cartão postal da cidade.

(Sinceramente... acho a Praça da Liberdade de Belo Horizonte mais bonita #prontofalei. Foto tirada desse link)

Foi quando enfim chegamos ao Porto. O local é cheio prédios antigos, mais desgastados que os edifícios do centro, possivelmente por causa da maresia local. Dentre todas as cidades que visitamos, Toulon realmente tem o maior porto para embarque e desembarque de navios. De todos os dias. Vimos de bote salva-vidas a navio de luxo. O fluxo de veículos e pessoas é enorme, e os comerciantes não deixaram por menos. Na pequena ruela de frente para o mar tinha uma enxurrada de lojas de souvenirs para os turistas, lanchonetes de comida rápida e espaços que ofereciam todo o tipo de serviço: tabacaria, lan house, livraria e por aí vai.

Atravessando em direção ao "continente", a parte velha da cidade. Em Toulon, diferentesmente das outras cidades do sul da França, não há uma divisão clara entre as partes antiga e nova. Isso porque os prédios modernos e os restaurantes chiques se entranharam entre as construções medievais. Do lado da linda Catedral de Toulon, blocos de prédios com toldos coloridos. Charmosos, mas distoantes.

(A Ópera de Toulon carrega o charme da cidade antiga que, por pouco, não se transforma em nova. Foto tirada desse link)

O monumento mais bonito do conjunto arquitetônico antigo é, sem dúvidas, a Ópera de Toulon. Não deu pra entrar, mas as fotos mostram com deve ser assistir um espetáculo ali dentro. Não consigo imaginar menos do que pessoas vestidas em trajes de gala segurando aqueles binóculos portáteis. A Ópera é a moda antiga, com cadeiras estofadas de veludo vermelho, camarotes com adornos dourados, lustres enormes e teto com pintura renascentista.

Metade das ruas da parte antiga de Toulon são exclusivas para pedestres. Nessas espaços existem bares com mesas e mais mesas do lado de fora e, por vezes, pequenas feiras. Francês adora comprar os ingredientes da próxima receita em uma feirinha de rua. Isso é fato. E não sobram comerciantes com seus alimentos naturais e regionais. Normalmente, as frutas e legumes saem de fazendas a menos de 200 quilômetros dali.

(Pôr do sol no Porto de Toulon)

Nós, preferimos o bom (?) e barato (!) McDonalds. Aproveitamos para dar uma última olhada no porto da cidade, que via o sol se por. Um descanso para uma noite que, finalmente, deu certo.