quinta-feira, 24 de maio de 2012

Interseções entre o jornalismo de viagem e a literatura

"Conta-nos como é a falta de ar no Karakoram, acima de quatro mil metros de altitude, e em Los Angeles, durante o smog. Testemunha a morte de escaladores no Annapurna. Quase morre durante uma nevasca perto do monte Whitney. Mergulha na beleza do mar de Bali. Acompanha mateiros no miolo da Floresta Amazônica. Resgata tradições de astecas, indianos, norte-americanos, chilenos e argentinos. Mostra o fatal encontro com uma tribo desconhecida de índios. Atravessa os contrafortes das Torres del Paine, do monte Fitzroy e do Cerro Torre. Compara comportamentos. Relembra livros e autores. Experimenta cardápios exóticos" (retirado do site da Editora Pulsar)


Algumas dessas experiências parecem loucura. Outras, parecem sonhos. A única certeza que se pode ter é que todas são únicas. E é exatamente isso que o escritor Luís Giffoni busca nas suas andanças pelo mundo: descobrir aquilo que é único em um país, uma cultura, um povo. Viajante inveterado, Giffoni já carimbou sue passaporte em mais de 50 países e já escreveu dezenas de crônicas sobre as experiências que viveu por aí. Algumas delas estão nos livros China - O Despertar do DragãoO Reino dos Puxões de Orelha e Outras Viagens e Retalhos do Mundo.

Mas o que diferencia o jornalismo de viagem da literatura viajeira? O que um escritor busca em uma viagem? É diferente do que busca um jornalista? Tive a oportunidade de conversar com o Luís durante a Bienal do Livro de Minas, que acontece dos dias 18 a 27 no Expominas, em Belo Horizonte. O evento busca falar sobre literatura e aproximar os leitores dos seus autores favoritos. Abaixo, a nossa conversa:



O jornalismo de viagem está caminhando para a literatura?
Se você quer fato de viagem você vai procurar um guia de viagem que possa dar todas as dicas. Se você quer uma experiência, um relato, você vai procurar um livro que fala sobre. É muito diferente, mas acho que há uma interseção entre eles sim. O que falta no jornalismo de viagem é tentar absorver a cultura estrangeira e colocá-la em um papel de percepção.

O que o senhor busca em uma viagem?
Eu não estou preocupado em citar locais, hotéis, roteiros. Estou preocupado com a cultura e como essa cultura interage com a minha. Não viajo meramente em busca de informações, mas é claro que uma viagem pode se transformar em ensaio, pois elas despertam uma curiosidade. Procuro ver a unicidade das culturas, o que há de comum e o que há de diferente. Também acho super interessante ver como as pessoas resolvem certas situações que, para nós, são coisas problemáticas. O convívio com a nudez e com o sexo em Bali é uma coisa muita tranquila. Eles têm estátuas espalhadas pelas cidades que seriam inadmissíveis no Brasil. Em compensação, nos países muçulmanos eles não permitem o consumo de álcool, algo quase banal por aqui.

O senhor passou por alguma situação que não conseguiu escrever?
Na Índia eu conheci uma pessoa que estava escravizada. Ela me suplicava para libertá-la, mas eu não podia fazer nada... Até hoje me lembro do seu olhar de súplica.

O senhor já sentiu um estrangeiro dentro do seu próprio país?
Eu nunca me senti um estrangeiro em lugar nenhum. Desde que você esteja aberto à cultura do outro você não vai passar por isso. O outro é diferente, isso não quer dizer que ele não é legal ou interessante. Mas uma coisa é certa: já estive em mais de 50 países, alguns eu atravessei de ponta a ponta, e sempre enxergo coisas novas.

(No dia 23 de maio, o Café Literário uniu Frei Betto, Luiz Ruffato e Luís Giffoni para discutir "A Construção do Romance")

A conversa com Luís Giffoni foi motivada por um debate interessante do qual ele era mediador. Durante o Café Literário, um evento que integra a Bienal e tem como objetivo realizar um bate papo informal entre autores e público, ele, Frei Betto e Luiz Ruffato discutiam "A construção do Romance". Durante aquele debate algumas coisas ficaram clara. A primeira foi que a maior dificuldade da literatura atual é construir uma narrativa inovadora e diferente do que já foi feito. A segunda é que para essa inovação acontecer não importa a história, é preciso saber contá-la de uma forma interessante.

"Literatura é a arte da linguagem. As vezes a narrativa é banal, mas a linguagem é de um sabor tão incrível que aquilo te prende", disse Frei Betto sobre o fazer literário. E ele está completo de razão. Existem histórias surpreendentes, mas grande parte da literatura passa por temáticas mais ou menos iguais. O mesmo acontece no jornalismo de viagem. As vezes escutamos alguém falar sobre os costumes de uma tribo indígena ou sobre as maravilhas daquela ilha o pacífico pouco explorada. Mas o grande volume de conteúdo gira em torno dos locais mais conhecidos como Paris, New York e Rio de Janeiro. O que faz desses relatos algo pouco ou muito interessante? A forma com que o autor fala sobre ele.

(Stands da Bienal do Livro de Minas)

O Brasil ainda é um país que está engatinhando no quesito crônicas de viagem e para quem quer se arriscar no caminho da literatura, os autores deram duas dicas valiosas:

1. Para ser um bom escritor é preciso ser um bom leitor. Assim, ande sempre com um livro mesmo que você tenha certeza que naquela dia não vai abrir nem uma página. No final da semana você vai se surpreender.
2. Nunca escreva pensando que a sua primeira redação vai ser a última. O importante é colocar no papel um início, um meio e um fim. Depois você vai burilando o texto até chegar naquilo que considera ideal. Afinal, o mais importante é a forma.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Impressões do sertão mineiro

Dizem por aí que a vida é feita de momentos. Eu diria que a vida é feita de encontros. Encontros com lugares, com culturas, com pessoas. Já faz 12 dias que estou viajando pelo norte de Minas com o projeto Cinema no Rio e encontrando lugares diferentes, culturas populares e pessoas incríveis. Seguindo essa lógica, posso dizer que que estou vivendo uma vida inteira em pouco tempo. Enquanto a viagem não termina, deixo aqui algumas impressões da vida no sertão.

(Em Barra do Pacuí, mulheres preparam os arcos para a Folia de Reis, uma tradição que eu aprendi aqui. Foto: André Fossati)

 - Durmo na beliche e já bati minha cabeça no teto da cabine várias vezes. Mas continuo achando que escolhi a cama certa porque acordar com o sol refletido no Velho Chico realmente não tem preço.

 - Aliás, a combinação entre sol e rio é uma das coisas mais impressionantes que tem por aqui. No décimo dia, resolvemos acordar cedo para ver o sol nascer. Um foi chamando o outro que foi chamando o outro e, no final, éramos 8 pessoas no teto do barco. A profusão de cores no céu parecia não acabar. Mais bonito ainda foi ver o pôr do sol. A correnteza do rio refletindo azuis, rosas, amarelos e laranjas. Vez ou outra passava um barquinho na contra-luz, formando a imagem ideal para um foto. Agora, todo dia é dia de ver o sol descer no São Francisco.

(Pôr-do-sol de ontem, em Pedras de Maria da Cruz)

 - Ontem comemos uma peixada feita especialmente pelo Zinho, o cordon bleu do nosso barco. Aos que, como eu, nunca gostaram de peixe de água doce, tente comer um deles pescado e feito na hora, com os temperos do norte de Minas. Não tem erro.

 - O nível do São Francisco está baixo. Isso pode ser uma questão climática e de falta de chuvas, não necessariamente um sinal de que ele está morrendo. Mas uma coisa é certa: ele está vivendo um processo de assoreamento. Ouvi muitas pessoas dizerem que antes os bancos de areia não eram tão frequentes e o rio tinha menos sedimentos. Isso a gente pode sentir na pele depois de nadar e voltar cheia de areia. O que não muda é a sensação de frescor ao pegar a canoa, ir até aquele canto afastado e cair nas águas frias do Velho Chico embaixo de um calor de quase 40 graus.

(Vida boa...! Foto: André Fossati)

 - Sobre as cidades, elas realmente têm o que precisam ter. Lembro que fiquei espantada com o número de tabacarias na França. Já no norte de Minas, o número de sorveterias em algumas cidades atingem uma cifra espantosa. Não por menos, o número de bares também.

 - Calor, muito calor. Me disseram no início da viagem que quanto mais a gente descesse o rio mais calor eu ia sentir. Sábias palavras. Sábias e inúteis porque saber isso não me fez suar menos... mas pelo menos a gente foi se aclimatando com o tempo. O pior momento é logo depois do almoço. Até o vento parece tirar uma siesta e agora eu não sei mais se tudo para porque as pessoas ficam com muito calor, ou se as pessoas ficam com muito calor porque tudo para.

(Só as crianças - sempre elétricas - se atrevem a se mexer depois do almoço)

 - Quer ir para o sertão mineiro sem ficar longe da sua família? Compre um chip da Vivo. Não estou ganhando nada para fazer propaganda (infelizmente), mas saibam que na maior parte das cidades pelas quais passei essa era a única operadora com sinal.

 - ... em compensação, não se preocupe com a sua vida virtual. A cidade pode não ter sinal de celular... mas tem uma lan house. Chega a ser engraçado constatar isso, mas é verdade. Incrível como a  internet se tornou uma necessidade em todos os rincões do Brasil - quiça, do mundo. Eu estou em uma lan house nesse exato momento (enquanto isso, o meu celular Tim continua morto).

(Apesar da internet estar relativamente disseminada, as belezas do norte de Minas ainda têm muito a ver com a miséria local)

 - A vergonha é inversamente proporcional à presença. A regra vale para todo e qualquer tipo de pessoa, inclusive para as que nunca se viram na vida. Por mais que o trabalho ocupe grande parte do nosso dia, somos um grande grupo vivendo em um barco. Roncos, problemas intestinais e confissões amorosas viraram conversas coletivas com uma grande rapidez.

 - Todo lugar é cheio de vida. Seja ela vegetal, animal ou humana. Basta abrir a cabeça para o novo e aceitar que todas as coisas são dotadas de um conhecimento tão ou mais válido que o seu. Aqui no Velho Chico conversei com gente de todo tipo. Crianças, jovens, adultos e, principalmente, idosos. Nunca deixei de respeitar e nem de enxergar o outro, mas aqui eu aprendi também a dar voz ao outro, a escutar e tornar aquele discurso legítimo.

(Quilombola e seu tambor. Fora do roteiro, mas bonito de ser ver)

 - Voltando ao início desse texto, a vida é feita de encontros. Não esteja aberto somente ao encontro com o lugar e com a natureza, esteja aberto ao encontro com as pessoas. A maior riqueza do norte de Minas é a sua gente. Doidos de pedra e velinhas benzedeiras. Líderes comunitários e pescadores tradicionais. Gente que participa de danças folclóricas, de moda de viola, de batuque. Gente que borda, que colhe, que planta. Gente que vive a partir das oportunidades que a terra dá e que talvez entenda muito melhor do que a gente a conexão entre pessoas e natureza.