sexta-feira, 30 de março de 2012

Vivendo na poeira

O que motiva uma mocinha a ir morar no Deserto do Atacama? Pergunta difícil, eu começaria mais com a pergunta “o que motiva uma pessoa a viajar?”  Trabalho, passeio, a busca de um amor distante, a viagem em si. Os motivos podem ser variados e eu achei que tinha todos esses para sair do Brasil e partir em busca de trabalho e de qualquer aventura diferente da que eu tinha.

(Quem ia duvidar de uma linda experiência numa paisagem como essa? Foto tirada desse link)

Na verdade, a ideia foi surgindo da congruência entre desespero e inspiração e, apesar de possuir apenas 600 reais na minha conta bancária, a convicção de que poderia dar certo culminou na minha partida para o deserto mais árido do mundo, sem nenhuma garantia de moradia, trabalho ou estrutura.  Ah, e sem passagem de volta.

A ideia parece absurda, mas analisando os ingredientes que me convenceram a ir sei que os mais animados podem considerá-la razoável:
- eu era uma jornalista recém formada e sem perspectiva de emprego;
- tenho uma paixão louca por viajar e  escrever sobre isso;
- tinha uma paixão louca por um namorado e sair do Brasil poderia nos unir depois de 5 meses separados;
- tinha uma amiga mochileira que acabou se instalando em San Pedro de Atacama e ganhava bastante dinheiro trabalhando por lá.

(Valle de la Luna. Foto tirada desse link)

Foi com esses argumentos que comecei a buscar uma passagem mais barata de ida a partir das milhas aéreas de alguém que as tivesse sobrando. Nessa saga cara de pau uma amiga se compadeceu e me presenteou com uma passagem para Santiago do Chile. Nem me vendeu, nem me emprestou, me deu mesmo. De Santiago eu partiria para minha vida no deserto. E eu parti.  

O plano era passar rapidamente pela capital do Chile, seguido de Valparaíso e Viña del Mar e depois  encontrar minha amiga em San Pedro de Atacama. Lá ela me ajudaria a conseguir um emprego e eventualmente me reencontraria com meu namorado. Juntando dinheiro, viajaríamos pela América do Sul até onde “la plata” permitisse. No fim das contas passei um pouco mais que um mês morando em San Pedro e 20 dias na Bolívia. Parece pouco tempo mas essa viagem foi o que se pode chamar de long way.

O que vocês lerão aqui sobre minha estadia no deserto é muito diferente do que eu pensava que escreveria quando parti. Não foi nada fácil chegar a todas as conclusões, e, para o bem ou para o mal, acabei conhecendo a fundo como funciona esse povoado tão turístico, cheio de mistérios e paradoxos. Contarei sobre San Pedro do ponto de vista de quem trabalhou em duas agências de turismo e um restaurante, ou seja: nas duas atividades que mais movimentam a cidade além da mineração. E acredito que saber os “bastidores” pode mudar em muito sua passagem por lá.

(O flamingo, sempre assediado pelos turistas-paparazzi. Foto tirada desse link)


Basicão de San Pedro

San Pedro de Atacama é uma comuna localizada na Região de Antofagasta, ou II Região do Chile, no deserto de Atacama. Ela é considerada capital arqueológica do país e se encontra a 2.438 metros acima do nível do mar, na foz do Rio San Pedro (o maior rio que chega no Salar de Atacama). 

(Rio San Pedro, contra as montanhas. Foto tirada desse link)

O clima de um lugar pode afetar absurdamente a vida das pessoas e o deserto mais árido do mundo é pra ser levado a sério nesse sentido. O clima de San Pedro é desértico de altitude, caracterizado por mudanças bruscas de temperatura, ventos fortes, alta radiação solar e pouquíssimas chuvas. Pela baixa umidade no ar e altitude da cidade, é muito difícil se sentir suado e na sombra a sensação térmica é até agradável, mas com pouco tempo de exposição ao sol e sem água, você pode ganhar uma insolação facilmente. Respirar é difícil no deserto e aclimatar-se à aridez pode ser uma tarefa um pouco custosa.

No verão (de dezembro a março) a temperatura varia entre 30°C de dia e 16°C à noite, mas a sensação térmica é sempre de mais calor ou mais frio. Nessa época do ano o sol se aproxima do Trópico de Capricórnio gerando máxima radiação e alta evaporação, o que resulta em fortes chuvas. Ainda que não tão regulares, as chuvas podem atrapalhar bastante a viagem, já que nem sempre os tours podem ser feitos devido à possibilidade de neve e más condições das estradas.

(Cavernas de sal no Salar de Atacama. Foto tirada desse link)

O chamado invierno boliviano (fenômeno que apesar de acontecer no verão da Bolívia é tão chuvoso e frio que justifica ser chamado de inverno) também afeta o clima da região: nessa época, a neve no topo dos vulcões e serros ao redor da cidade torna a paisagem ainda mais impressionante. No inverno de verdade (julho a agosto) o clima é muito seco, mas os dias são mais agradáveis (com médias de 22°C) e noite geladas, chegando abaixo de 0°C.

O que não posso deixar de saber?
  • Para fazer a mala
É necessário preparar-se para grandes oscilações térmicas. Para o dia, roupas brancas e frescas que não exponham demais o corpo são ideais. Chapéus, óculos escuros, protetor solar e labial (muito importante!) são indispensáveis. Um pós-sol e creme hidratante podem aliviar eventuais desconfortos. Para a noite, cachecol, blusa de frio e calças compridas.

(Pensava que no deserto não tinha água? Pois tem de tudo! Foto tirada na Laguna Cejar. Foto tirada desse link)

Uma parte importante de visitar San Pedro de Atacama é fazer pelo menos um dos tours oferecidos pelas numerosas agências da cidade. Prepare-se para nadar, caminhar muito, sujar suas roupas e até encontrar temperaturas como menos 10°C. Não esqueça: sapato confortável e resistente para caminhar, chinelo, traje de banho, se possível roupa térmica, gorro, cachecol e luvas. Lanterna e binóculos não são essenciais, mas podem ser úteis.
  • Para sobreviver
Manter o corpo sempre hidratado é essencial não só pela secura do ar como também ajuda com a questão da altitude. Beba sempre água mineral e tome cuidado para não exercitar-se demais sem ter a certeza de que está aclimatado. É muito comum sentir cansaço, náuseas e dor de cabeça enquanto o corpo se acostuma com a baixa pressão do ar e cada organismo reage de forma diferente à altitude. Evite comidas muito pesadas ou grandes bebedeiras, e não tenha medo de recorrer aos “caramelos” ou folhas de coca para evitar o mal de altitude.

 San Pedro tem duas farmácias: uma delas só funciona depois das 16h30 e a outra funciona de 9h às 14h, e de 17h às 22h. Aliás, o horário comercial de bares, restaurantes, agências e demais serviços depende da boa vontade dos comerciantes e muitos deles realizam sua siesta entre 14h e 17h. O posto de saúde oferece pronto-atendimento a estrangeiros, mas é necessário chegar às 7h da manhã e aguardar. A consulta não é grátis e geralmente sai a 10.000 pesos chilenos (algo como 35 reais). A compra de antibióticos e remédios mais específicos é feita apenas com receita médica.
  • Para disfrutar 
No Chile, o consumo de álcool nas ruas é proibido e especificamente em San Pedro de Atacama, os bares são obrigados a fechar até 1h30 da manhã. Eventualmente os forasteiros que vivem na cidade organizam o que chamam de carretes clandestinos, que nada mais são que festas ilegais no meio do deserto. Essas festas não podem ser divulgadas com muita antecedência e a melhor forma de ser convidado ou descobri-las é fazer amizade com alguém que trabalha na cidade ou aguardar até meia-noite/uma da manhã e seguir as pessoas que saem para esses eventos. Não será difícil perceber os agrupamentos que se organizam geralmente em vans que levam e trazem os baladeiros.

(Pôr do sol em San Pedro. Foto tirada desse link)

Não se esqueça de olhar para o céu estrelado de San Pedro e observar eventuais mudanças de paisagem. Qualquer passeio no deserto reserva surpresas.
  • Para não ser enganado
Tudo em San Pedro de Atacama é caro. A cidade vive de turismo - pra não dizer da exploração de estrangeiros. Como trabalham com super faturamento, quase todos os tours e serviços são passíveis de negociação e baixa de preço. Não aceite a primeira oferta que te fizerem.

Nos bares e restaurantes o costume é deixar 10% de gorjeta (ou propina, como se diz em espanhol) ainda que não venha previsto na conta. Brasileiros são conhecidos como “mão de vaca” no quesito propina e a surpresa de uma boa gorjeta pode garantir atendimento diferenciado tanto em restaurantes como para guias turísticos e prestadores de serviços.

(Praça principal em festa religiosa que precede o carnaval )

Tamira Marinho é jornalista pela UFMG. Estudou letras por um semestre em Buenos Aires e desistiu de um retiro espiritual na Tailândia para correr atrás de uma paixão e morar no deserto do Atacama. Ela diz que só se envolve com o que se apaixona, e sabe que se envolve com coisa demais. Entre um trabalho e outro, ela tenta ser nadadora, meditante e bailarina de fim de semana. Para saber mais sobre a Tamira é só clicar aqui.

terça-feira, 20 de março de 2012

Do bom e do melhor

Eu nunca fui nos Estados Unidos e nunca pisei nos subúrbios americanos, aqueles bairros onde as ruas têm casas bonitas, jardins arborizados e calçadas de concreto para as crianças andarem de bicicleta. Mas já passei bem perto. Depois de um tempo a comparação parece tosca. Ainda assim, tenho que admitir que a primeira imagem que me veio na cabeça enquanto passeava pelas ruas do bairro de Vitacura, em Santiago, foi a de um subúrbio americano.

(Vitacura é considerado o local com maior desenvolvimento humano do Chile)

O bairro de Vitacura é, em uma palavra, um luxo. As casas são enormes e lindas. Os prédios são chiques e cheios de varandas. As lojas, luxuosas. Só pelas suas características imobiliárias dá para saber que o bairro não foi feito para todos. Para morar ali, é preciso dinheiro. Mas mesmo sem olhar para suas construções é possível ver que o tratamento que o bairro recebe é outro. As ruas são retas, as calçadas são equipadas com bancos e luzes e os jardins são bem cuidados.

Tudo é tão bonito que o bairro é, por si só, um ponto turístico. Andar sem pressa faz parte do roteiro do turista. Atividade que definitivamente não faz parte da rotina dos moradores, que só saem nos seus carros de luxo e parecem "inhabitar" o local. A avenida Alonso de Córdova, cheia de boutiques e lojas de marca como Louis Vuitton e Armani, é muito visitada. Outra avenida que atrai a atenção das pessoas é a Américo Vespúcio, devido ao seu enorme canteiro central que mais parece um parque.

(Com guarda-sóis e coqueiros, o Boulevard del Parque quase me fez sentir na chique Jurerê Internacional. Foto tirada desse link)

O ponto de encontro dos ricos moradores (e também dos turistas mais atrevidos) é o Boulevard del Parque, o praça de alimentação do Parque Arauco, o shopping mais bonito da capital. O local tem comida do mundo inteiro e uma programação cultural extensa. E se você acha que tudo se resume a um rodízio de música ao vivo está muito enganado. Vez ou outra grandes bandas e artistas renomados vão ao local para realizar seus shows.

E enquanto a vida segue tranquila em Vitacura... o frenesi toma conta de Las Condes, o bairro ao lado. No fim de semana talvez o clima seja o mesmo, mas nos dias regulares não há como deixar de reparar no fluxo de carros que atravessa as suas avenidas e nas pessoas engravatadas que andam por suas ruas na hora do almoço, sempre sérias. Igualmente impossível é não reparar nos seus arranha-céus modernos, feitos de vidros espelhados. Apesar do ambiente corporativo, há uma característica que iguala os dois bairros: o luxo. Não é por menos que Las Condes é conhecida como "Sanhattan", a Manhattan de Santiago.

(Ares de modernidade justificam o apelido do bairro. Foto tirada desse link)

Talvez por ter nascido antes de Vitacura, talvez por ser o centro financeiro da capital chilena, talvez por ser mais movimentada e demandar mais serviços, Las Condes oferece mais opções para o turista. É possível sentir essa diferença só de caminhar pelas suas ruas. As casas e mais casas dão espaço a prédios, lojas, bares e restaurantes. O melhor exemplo disso é a Avenida Isidora Goyenechea, onde estão boa parte desses estabelecimentos.

A parte disso, o Las Condes oferece também atrações de primeira. Uma delas é o Museu de la Moda, feito em uma linda mansão local. A ideia de criar o museu surgiu de Jorge Yarur Bascuñán, um empreendedor que vinha de uma família de grande tradição têxtil (o que justifica o fato de mais de 500 peças pertencerem a sua mãe). O foco do museu é nos anos 1950 e 1960 e, realmente, dá para entender bem o estilo da época após uma visita ao local. Entre as milhares de peças expostas estão roupas usadas por Marilyn Monroe e Kurt Cobain, além de peças desenhadas pelos mais famosos estilistas do mundo.

(O museu vive na escuridão total e é permitido tirar fotos, mas sem flash.Algumas das peças do museu e, abaixo, a jaqueta do filme "De volta para o futuro")

No museu há também de algumas raridades como uma das provas do vestido de noiva da princesa Diana, a jaqueta usada por Marty McFly no filme "De volta para o futuro" e uma jaqueta militar de John Lennon. Mesmo que ele não tivesse peças tão exóticas, o local vale a visita: é lindo, bem organizado e dá um banho de história através das vestimentas usadas naquela época.

Museu de la Moda é também o passeio perfeito para entender Vitacura e Las Condes, sem dúvida, os bairros mais ricos de toda a cidade. Mas a verdade é que o local guarda uma surpresa. O bairro mais moderno da capital - vejam vocês - é também onde está um dos centros comerciais mais antigos e típicos, o Pueblito Los Dominicos.

A primeira construção do local foi a igreja de San Vicente Ferrer Apoquindo. De paredes brancas e poucos detalhes, ela seria uma igreja comum, se não fosse seu tamanho e suas cúpulas verdes que podem ser vista a muitos metros de distâncias. O local aonde foi construída era propriedade indígena, pela qual respondia o cacique Apoquindo. No século XVIII, depois de ter sido trocada de dono algumas vezes, o local passou a ser propriedade de Antonia Portusagasti, que resolveu fazer uma igreja em memória a seus filhos, que morreram ainda crianças.

(Igreja de San Vicente Ferrer Apoquindo: a origem de tudo)

Com a morte da família Portusagasti, a igreja e todo o terreno ao redor ficou por conta da ordem dos Dominicos, que decidiram desmembrar a fazenda em diversas casas e criar um espaço para os camponeses do local. O espaço servira de casa aos sacerdotes e até refúgio para perseguidos políticos. Só na década de 1970, ele foi considerado Monumento Nacional. Foi quando a ordem dominicana permitiu a presença de artesãos do lado de fora do local. Quatro anos mais tarde, porém, o espaço foi cedido para que esses mesmos artesãos pudessem expor e vender suas mercadorias dentro do local, que ficou conhecido como Pueblito.

(Entrada do Pueblito)

O local tem chão de terra, pontes que atravessam um pequeno riacho que corta a propriedade, ruelas que mais parecem labirintos, casinhas brancas com móveis e detalhes em madeira, além de um pátio onde hoje há um pequeno restaurante. O mais engraçado é que apesar de não ter nascido como tal, o espaço é considerado uma réplica de um típico povoado chileno. E o próprio governo divulga o espaço dessa forma.

(Segundo o governo, uma reprodução dos típicos povoados chilenos)

Dois motivos nos fizeram passar horas no local. O primeiro é o seu tamanho. E associado a ele está o artesanato produzido ali dentro: quem quer mesmo observar com detalhes cada uma daquelas vendinhas (e acredita, vale a pena) vai precisar de algumas horas. Diferente do que acontece no centro de arte indígena ao lado do Cerro Santa Lucía, ou mesmo nas diversas feirinhas espalhadas pela cidade, aonde tudo parece réplica de arte, no Pueblito é possível encontrar artesanato original. As peças de cerâmica, pedra, madeira, lápis lazuli ou lo que sea são bem feitas e diferentes de tudo o que se vê na capital chilena. Afinal, o contraste entre o novo e o velho (em todos os seus sentidos) parece dar certo por aqui.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Relacionamento entre blogs e empresas: algumas diretrizes importantes para estabelecer parcerias consistentes


Este texto foi motivado e elaborado a partir de pautas e discussões levantadas pelos membros da Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem (RBBV) acerca do relacionamento entre empresas e blogueiros. Este material é uma síntese dos principais pontos levantados durante as discussões entre os representantes dos blogs e integrantes do grupo citado.

Com a crescente ampliação do alcance das mídias sociais e da validação da experiência pessoal, cada vez mais indivíduos comuns buscam nos blogs, nos relatos pessoais, informações diversas que fazem parte do seu cotidiano: de tecnologia à arte, de beleza à saúde, de alimentação ao turismo. O certo é que há uma grande variedade de assuntos e experiências sendo discutidos e uma grande variedade também de perfis no que diz respeito a blogs.

O que, originalmente, teve início como um espaço que se assemelhava a um diário pessoal tomou outro rumo: o da profissionalização, sem contanto perder a pessoalidade do discurso. Eis que surge, então, um novo perfil no mercado, o de ProBlogger.

O ProBlogger, ou blogueiro profissional, trabalha, tira seu sustento ou parte do seu sustento do seu espaço. Muitas pessoas abriram mão de seus empregos tradicionais, muitos de estabilidade, para investir em um projeto independente, cuja credibilidade é construída ao longo do tempo e, principalmente, pela fidelidade de seu leitor.

Diante da ampliação do alcance das mídias sociais e de sua credibilidade, as empresas também passaram a enxergar nos blogs e nos demais representantes desse perfil de mídia um espaço promissor. As empresas veem a possibilidade de utilizar a credibilidade destes meios, construída gradativamente, para divulgar seus produtos. Assim, o relacionamento entre empresas e blogs começou a ser delineado. Diante de algo novo, de uma configuração nova, o estranhamento sempre é presente. Como lidar com este novo tipo de mídia (que também não é tão novo assim)?

Neste processo de profissionalização de blogs e de construção de relacionamento entre blogueiros e empresas, os parâmetros ainda estão sendo construídos. Há, no entanto, pontos que são sensíveis a esta nova configuração e que algumas empresas devem levar em conta desde o primeiro contato. Dessa forma, poderão conquistar parceiros constantes, que contam com credibilidade e que têm uma trajetória que precisa ser respeitada. Com isso, o respeito será também para com os leitores.

O mercado de blogs é profundamente heterogêneo: há blogs dedicados a assuntos distintos e de trajetórias distintas. Há blogs novos, recém-criados e cheios de potencial – que devem ser levados em conta – e há blogs antigos, que já têm uma história e trajetória tecidas ao longo do tempo. Todos podem conquistar seu espaço e estabelecer parcerias sérias e consistentes.

Ao procurar os blogs, as empresas devem considerar alguns fatores:

- Estudar cada blog selecionado para possíveis parcerias para compor propostas distintas.

Nenhum blog é igual. Talvez o primeiro grande erro de uma empresa, ao entrar em contato com um blog, seja o de não levar em conta essas diferenças. Cada nicho é um nicho, cada blog é um blog. Quando uma empresa faz uma proposta comercial, por exemplo, única para todos os espaços, ela está esquecendo de levar em conta a heterogeneidade destes blogs.

Para uma empresa começar com pé direito o relacionamento com um espaço, é preciso estudá-lo antes: analisar a consistência do seu conteúdo, ver há quanto tempo está no mercado, seus parceiros anteriores, ações, postura. Não basta pedir o número de acessos, de visitantes únicos, de seguidores no Twitter ou na Fanpage. Até porque alguns, infelizmente, usam de meios tortos para fabricar estes mesmos números.

Obviamente, estudar todos estes pontos em consonância exige um pouco mais de tempo e de dedicação. Talvez seja isso o que vai ajudar uma empresa a ser bem vista pelos seus possíveis parceiros e impedir que ela fique “queimada” entre eles. No final das contas, os blogueiros acabam trocando informações, entre outras razões, para avaliar se esta empresa é confiável, se a parceria é consistente. Um diálogo existe entre os blogueiros, por mais que não exista uma associação. Afinal somos independentes.

Então, repetindo, vale a pena gastar um pouco mais de tempo para delinear uma proposta para cada blog que esteja no radar, levando em conta todos os parâmetros citados acima, para que seja feita uma proposta justa e coerente.

- Consulte as opções que o blogueiro tem a oferecer nas propostas. Trate-o como um profissional. 

Outro ponto importante: se uma empresa nos enxerga como um meio relevante e profissional de produção e compartilhamento de conteúdo, nos trate dessa forma. Muitas empresas acham absurda a ideia de pagar um blogueiro pelo seu trabalho, mas pagam milhares de reais em anúncios em meios tradicionais, que já não são mais tão eficientes quanto foram no passado. Investir em blogs é certeza de atingir um público segmentado e de qualidade. Exatamente por isso é que as empresas querem relacionamentos com os blogs – para alcançar o público consumidor de uma maneira mais pessoal, mais eficiente, direta e com o respaldo do blogueiro. Por que então, muitas vezes, as negociações comerciais envolvendo dinheiro ficam limitadas à mídia tradicional e as propostas para os blogs não incluem remuneração real?

Lembrem-se, um blogueiro profissional tira toda a sua renda ou parte dela de seu espaço; trabalha, muitas vezes, horas para por um post no ar; faz e edita fotos etc. Investe tempo, dinheiro, esforço e emoção no seu trabalho.

Empresas: não percam de vista que as negociações estão sempre abertas. Façam suas propostas, ouçam a proposta do profissional que foi contactado e, sobretudo, não envolva parâmetros, valores e nomes de outros blogs na sua negociação. Não traga para a negociação frases do tipo “blog tal cobra tanto, então por que você cobra este valor?”. Isso fere a ética e o profissionalismo de uma empresa.

Como foi citado no item anterior, cada blog é um blog, cada um possui uma trajetória, fidelidade de leitores e formas de trabalhar: com publieditorias (sempre sinalizados como publieditoriais), banners, ações de marketing, fam trips, permutas… Há várias formas de montar parcerias. Ouça, negocie, saiba o que ele tem a oferecer.

- Sobre propostas nebulosas de ceder conteúdo a um blog e embutir links de clientes nos textos, sem comunicar aos blogueiros.

Há empresas que, infelizmente, adotam esta prática. Neste caso, esta se compromete a ser uma espécie de “colaboradora” do seu blog, enviando textos com links embutidos em palavras-chave, promovendo um cliente, sem custo algum, lesando o blogueiro. Esta “colaboração” na verdade é uma forma de promover o cliente da empresa sem repassar nada ao blogueiro.

- Sobre premiações

Algumas empresas encontraram em concursos um meio de se promover. Criam uma premiação, alegando que vão eleger o melhor blog na categoria x, mas exigem que os participantes coloquem selos em seus blogs (banners com links diretos para o site que promove a premiação) e que façam campanhas nas redes. No fim das contas, a ideia não é homenagear um blog, mas divulgar vastamente o nome da empresa, atrair tráfego para seu site e reforçar seus links junto às ferramentas de busca.

Há casos ainda em que a empresa diz que elegeu os melhores blogs para participar e, à medida que os “indicados” declinam do convite, convocam outros, os transformando em meros “tapa-buracos”. É um desrespeito ao trabalho dos blogueiros. Clareza e ética são pontos cruciais!

- Sobre propostas para escrever posts em troca de remunaração irrisória ou indigna.

Produzir conteúdo – textos, fotos, vídeos – é o trabalho do blogueiro. É no que ele investe seu tempo e esforço. O bom conteúdo atrai os visitantes para o blog e é a base para que o blogueiro construa sua credibilidade e conquiste a fidelidade dos leitores. Há empresas que desconsideram isso e que fazem propostas indignas. Existem casos de ofertas de “parceria” em que o blogueiro é convidado a escrever em troca de um cupom da empresa ou em troca de um valor tão pequeno que não compra nem um hambúrguer. Não há “parceria” que possa ser construída nessas bases.

Tendo em vista a crescente consolidação de blogs profissionais no mercado e da relevância do alcance das mídias sociais no contexto atual, é preciso que muitas empresas que nos contactam, visando estabelecer parcerias, trabalhem seu olhar com relação a este novo mercado, já que faz uso do mesmo para ampliar o seu alcance. Que as relações não sejam unilaterais e extorsivas e que todos tenham a possibilidade de crescer juntos e não apenas de servir de “escada” para muitos. Se uma empresa busca consolidar sua credibilidade e profissionalismo diante do mercado, que este processo comece desde a construção de relacionamento com os seus possíveis parceiros.

(Texto escrito por Janaína Calaça, editora do blog de viagem Jeguiando, com colaboração e revisão de Elisa Araujo, sócia e diretora comercial do Viaje na Viagem)

- Blogueiros e membros da Rede Brasileira de Blogs de Viagens que participaram da discussão sobre o relacionamento entre empresas e blogs e apoiam a causa:

Janaína Calaça e Erik Araújo - Jeguiando
Ricardo Freire e Elisa Araújo - Viaje na Viagem
Pedro Serra - Blog sem Destino
Maurício Oliveira - Trilhas e Aventuras
Sut-Mie Guibert - Viajando com Pimpolhos
Érika Marques - Blog Outros Ares
Carol May Rodrigues - Dicas e Roteiros de Viagens
Natália Gastão - Ziga da Zuca
Renata Inforzato - Direto de Paris
Leonardo Marques - Melhores Destinos
Jackeline Mota - Viaje Sim!
Thiago Cesar Busarello - Vida de Turista
Flávia Peixoto - Viajar é tudo de bom
Átila Ximenes - Blog Vou Contigo
Edson Maiero - Photo Travel 360
Camila Navarro - Viaggiando
Claudia Beatriz Saleh - Aprendiz de Viajante
Raquel Gonzaga / Rodrigo Nominato - Aventure-se.com
Mô Gribel - Por Onde Andei
Patrícia Camargo - Turomaquia
José Henrique Amormino Fonseca - Aventuras e Expedições
Marcio Nel Cimatti - A janela laranja
Clarissa Donda - Dondeando por aí
Jodrian Freitas - Aventura Mango
Lucia Malla - Uma malla pelo mundo
Gleiber Rodrigues - Andarilhos do mundo
Diego Fontenele Lemos - Blog de Viagens
Ana Catarina Portugal - Turista Profissional
Tatiane Dias e Christian Borchardt Jr - Sair do Brasil
Luiz Jr. Fernandes - Boa Viagem
Tiago Reis - Rotas Capixabas
Eliane Ceccon - 1001 Roteirinhos
João Aguiar - Viajando no Mundo
Daniel Duclos - Ducs Amsterdam
Tássia Corina - Com os pés no mundo
Juliana Afonso - Eu mundo afora

terça-feira, 13 de março de 2012

Marco zero de Santiago

Como em quase toda cidade, centro é centro. É cheio de gente, de carro, de comércio. É cheio de cheiros e barulhos. E o centro de Santiago é um exemplo disso. Ali, o dia começa com os comerciantes puxando os seus portões de ferro, funcionários colocando suas placas nas ruas e ônibus trazendo sempre mais e mais pessoas. Nesse ambiente o turista se torna visível e invisível. Afinal, no meio daquele monte de gente, ninguém repara nele. Mas é no meio daquele monte de gente, apressada, que ele se torna peculiar.

(Amor a bandeira)

A própria cidade compartilha desse paradoxo. Por um momento a gente esquece que está em Santiago... ou em Buenos Aires, ou em São Paulo, ou em Madrid. Os estímulos visuais são tantos e o fluxo comercial é tão alto que a cidade se torna simplesmente um espaço para as atividades. Mas eis que, no meio de tudo, em uma rua qualquer, um edifício antigo ou um monumento histórico nos faz lembrar onde estamos. E a cidade reaparece.

O centro de Santiago é uma mostra disso. Várias vezes estive no olho do furacão e precisei de algo para me lembrar que eu estava na capital chilena e não em outro lugar qualquer. Só escapei desse vai-e-vem depois que entrei no Mercado Central, um dos espaços mais conhecidos da cidade. Apesar de ele parecer um edifício  bastante clássico do lado de fora, devido às paredes de cores brancas e amarelas e os toldos em cada uma das suas entradas, ele era bastante diferente do lado dentro pois foi feito em estrutura metálica. O Mercado Central foi inaugurado em 1872 para ser usado como uma biblioteca. Tempos depois, porém, o local já se tornou o que é hoje: um verdadeiro espaço gastronômico.

(Não importa a data: o Mercado Central parece estar sempre decorado para alguma festividade. Ao fndo, os detalhes da sua estrutura de ferro)

O mercado funciona como um grande armazém aonde ficam expostos todo tipo de comida. Frutas e temperos são parte importante do local e ali você encontra de pimentas pretas a cerejas amarelas (deliciosas, por sinal). Mas o grande chamariz são os frutos do mar. Bancas e mais bancas vendendo peixes, camarões, caranguejos gigantes, ostras frescas e os piures, uma espécie de pedra que tem - misteriosamente - algo comestível por dentro. (Sou da teoria que vale a pena experimentar coisas novas em lugares novos, mas há exceções. E se até o Andrew Zimmern (do programa Bizarre Foods) diz que os piures estão na lista dos piores pratos, eu acredito).

Bom mesmo é sentar em um dos restaurantes no pátio do Mercado Central para almoçar. Sem pressa. Quem procura rapidez no atendimento está perdido pois há muita gente para ser atendida e os pratos demoram. Por vezes, até os garçons demoram. A comida desses restaurantes também não é a melhor do mundo. O local é conhecido pelo frescor dos seus alimentos e não necessariamente pelo sabor das suas receitas. O peixe do meu pai tinham um molho estranho, a base de queijo e limão, e os meus modestos camarões, por exemplo, estavam frios e pouco apetitosos. Mas culpo a minha falta de conhecimento... Se eu pudesse voltar, apostaria em opções simples pois a grande sacada do lugar é a qualidade e não o tempero.

O centro histórico

Saímos do Mercado Central em direção a Plaza de Armas. Apesar de a diferença entre um ponto e outro ser de quatro quarteirões e ambos serem considerados centro, a sensação é a de estar em outro bairro. Enquanto a região do Mercado Central é marcada pelo comércio e pelo burburinho dos seus consumidores, a região da Plaza de Armas é marcada, principalmente, pela história.

(Sem dúvida, o monumento mais imponente de toda a praça)

Desde a fundação da cidade por Pedro de Valdivia, em 1541, é ali que a história acontece. O espaço é ponto de encontro de marchas, movimentos, passeatas e anúncios oficias do governo. Não por menos, a Plaza de Armas é considerada o marco-zero da cidade. Além disso, ao redor estão alguns dos monumentos mais importantes de Santiago.

Um deles é a Catedral Metropolitana, o principal templo da igreja católica em todo o país. Inaugurada em 1800, a catedral foi a quinta construção realizada naquele espaço. A ideia de erguer um templo no ponto mais central da cidade surgiu tempos depois da fundação da cidade, mas até que o edifício atual fosse construído, as outras edificações foram destruídas, ou para a construção de templos com novas dimensões, ou por causa de terremotos.

A Catedral é linda por fora e por ter uma fachada pouco rebuscada, muitos esperam que o seu interior seja igualmente simples. Mas por dentro ela é ainda mais bonita. Não é cheia de ouro ou vitrais coloridos, mas impressiona pela grandeza, pelos detalhes das estátuas em madeira, das pinturas barrocas e dos pilares de mármore. Para completar o "conjunto religioso" da praça, há ainda o Palacio Arzobispal e a Paróquia El Sagrario.

(O prédio do Correio com sua arquitetura de influência francesa)

A Plaza de Armas segue tem ainda uma série de edifícios importantes. Um dos mais bonitos é o prédio Central dos Correios, que ainda pertence a estatal chilena e é utilizada como sede administrativa da empresa. O Palácio da Independência, construído em 1808, abriga hoje o Museu Histórico Nacional, espaço que tem como objetivo facilitar o acesso a história do país e que, para isso, apresenta uma exposição permanente sobre o tema.

(Monumento aos povos indígenas)

Mas a praça também é espaço de interação para residentes e visitantes. Ali há jardins e bancos para se sentar, fontes usadas por crianças para se refrescar, coretos onde homens de todas as idades - principalmente os mais velhos, sejamos sinceros - passam a tarde jogando xadrez, e espaço livre para os mais diversos usos. Isso sem contar nos cafés que colocam caeiras e guarda-sóis nas calçadas para um café na hora do intervalo.

O caminho natural para quem está na Plaza de Armas é seguir até o Museu de Arte Pré-Colombiano, que dizem ser o museu mais incrível de toda a capital. mas para o nosso azar ele estava passando por reformas e só vai abrir as portas novamente em 2013... O jeito era seguir para o próximo destino, o Palacio de La Moneda, sede da presidência da República do Chile. O edifício inaugurado em 1812 é uma das únicas construções coloniais que ainda está de pé, fruto de um planejamento inteligente que considerou os terremotos que abalam o território chileno e se preocupou em erguer o local em pedras bem largas e resistentes. Feito para ser a Casa da Moeda, o edifício se converteu na sede da presidência em 1845.

(Os lagos na frente do Palácio de La Moneda que parecem ter sido construídos para afastar as pessoas da porta... será?)

O local já foi pisoteado, bombardeado e então restaurado... e continua lindo. Principalmente durante o verão chileno. As árvores dos jardins do palácio estavam sem flores, em compensação o gramado era um tapete que misturava o verde das plantas e o rosa das flores que pareciam ter acabado de cair. Não vi o palácio por dentro, não vi a tal da troca de guardas (que a propósito acontece em dias específicos, sempre às 10 horas da manhã), mas nem importei. Sentei ali, como os grupos de amigos e os casais de namorado, sem culpa, só para ver o tempo passar.

(As cores do verão)

terça-feira, 6 de março de 2012

Onde a cultura se encontra

Quem vai a Santiago a procura de arte e cultura tem de visitar o bairro Lastarria. É ali que estão os melhores museus e alguns dos mais belos edifícios da cidade. Isso sem falar nas ruas cheias de cinemas, livrarias e cafés alternativos. A impressão que se tem ao passear por suas vias é que você não está no centro dos acontecimentos, mas sim no centro das discussões sobre esses acontecimentos.

(Feira de livros nas calçadas do bairro Lastarria)

Lastarria não é um bairro com grandes histórias porque ele guarda as grandes histórias. É ali que está, por exemplo, a Biblioteca Nacional, um edifício enorme (e lindo) inaugurado no ano de 1924. Ali estão guardados mais de 3 milhões de títulos, sendo que no segundo andar estão obras muito valiosas que datam do século XV. Foi impossível subir e ver essas raridades pois o terremoto que atingiu o país em 2010 abalou as estruturas do prédio, que ainda se encontra em reforma. Mas o terremoto não foi capaz de tirar a beleza das suas escadas de mármore e arquitetura em estilo neoclássico. No andar de baixo, além de toda beleza, o visitante encontra lanchonete. espaço para acesso a internet e - claro - um sem número de livros.

(Foto tirada desse link)

O passeio cultural continua no Museu Nacional de Bellas Artes. Alguns dizem que o local lembra o Petit Palais de Paris, por causa dos detalhes em art-nouveau. Pelo sim, pelo nçao, é mesmo um dos monumentos ais bonitos do país. O espaço fois construído em 1910 em homenagem aos 100 anos de independência do Chile.O local apresenta salas para a exposição de coleções temporárias. Entre elas tivemos a sorte de conhecer o trabalho de Pedro Pablo Valdés Bunster, um dos mais importantes escultores chilenos da atualidade. A sua obra tem como ponto principal a escultura feita a partir de uma grande diversidade de materiais, como ferro preenchido por barro, pedras e plástico, propondo a discussão sobre a durabilidade de tais produtos artísticos no tempo.

Foi engraçado encontrar com ele ali porque há algum tempo tinha visto uma de suas obras nas ruas de Santiago. Um cavalo, mais precisamente. A minha única reação para aquela escultura foi: "nossa, que coisa feia". E em um dia lá estava eu ao redor de cavalos e mais cavalos produzidos por Pedro. Mas depois dali passei a gostar da originalidade das coisas que ele fazia e, principalmente, da forma como a arte. Em uma das paredes do salão, essa frase flutuava: "Las obras son cáscaras empapadas del entorno, de los frutos y del espiritú de su época".

(Galeria com as obras de Pedro Bunster. Da feiúra à originalidade)

Perto dali há um museu totalmente diferente, mas com obras não menos instigantes. É o Museu de Artes Visuais. O prédio em si já causa um estranhamento porque, apesar dos seus seis andares, a impressão que se tem é bem menor de acordo com o seu espaço livre e disposição das obras nas salas.instalações, pinturas, fotos, montagens e vídeos são bastante inovadoras. Lembro de me entreter com várias peças. Uma delas era um quadro com a representação das rodovias de um mapa, mas na qual constavam realmente só as minúsculas linhas recortadas, com todo o cuidado do mundo.

(Chique e moderno... com um museu contemporâneo deve ser)

Depois de tanto estímulo visual (e cerebral) resolvemos parar em um dos cafés ao ar livre. Sem desmerecer todo o acervo cultural daquela manhã, mas o melhor do bairro não tem nada a ver com sua arquitetura ou seu clima intelectual, e sim com as pessoas que passam por ali. Estudantes com livros debaixo do braço, artistas querendo mostrar seu trabalho, casais underground, pessoas de estilo alternativo, de todas as idades. São elas que elegeram o Lastarria. É por causa delas que existe movimento nos cafés, filmes de menor alcance nos cinemas e feiras de livros pelas ruas. É a partir desse público ao mesmo tempo criador e consumidor que o bairro foi se moldando.

(Espaços alternativos por todo o bairro)

União entre história e natureza

No Lastarria, até o que era para ser um simples passeio de observação ganha contornos históricos e culturais. É o que acontece com o Cerro Santa Lucía, que une a paisagem da capital chilena a traços históricos importantes. De fato, a vista panorâmica de Santiago a partir do Cerro San Cristóbal é a melhor. Mas ele não passa de um morro com uma excelente localização. Já o cerro Santa Lucía surpreende logo na entrada, aonde uma construção amarela com direito a arcos de pedra, plantas exóticas e fontes d'água dá as boas vindas ao visitante (sem contar a simpatia os casal de 60 anos que toma conta do local!).

(A primeira imagem de quem entra no Cerro Santa Lucía)

Ao subir as primerias escadas, uma nova supresa: um pátio enorme se descortina na frente dos nossos olhos. No local, construções com a marca da realeza, mais fontes, mais plantas exóticas e escadarias que levam para construções de pedra ainda mais no alto. Foi no pé desse cerro que Pedro de Valdívia fundou a cidade de Santiago, em 1541. Também foi esse o lugar eleito para se transformar em fortaleza no período da Reconquista, em 1814. E mais tarde, devido às comemorações do centenário de Santiago, o governo aprovou um projeto de reestruturação local.

(Construções locais marcam a passagem da realeza - ou pelo menos de alguém com muito bom gosto arquitetônico)

O resultado disso foi que o cerro Santa Lucia se tornou uma atração em si só. Ninguém sobe suas escadas só para ver a paisagem de Santiago (e que paisagem), como no cerro San Cristóbal. Ninguém vai até lá só para conhecer um pouco mais da história da cidade, como em um museu qualquer. Se vai para se fazer tudo isso um pouco. Além de aproveitar a tranquilidade local para escrever, conversar e até namorar.

A verdade é que o todo bairro tem cantinhos escondidos em que o melhor a se fazer é não passar batido e aproveitar. Sentar, descansar, ler. Conversar. O que faz de um espaço boêmio ou intelectual por excelência é a troca de informações e ideias entre as pessoas que estão ali. Se não há predisposição para conhecer (algo ou o outro) esses lugares perdem seu propósito. Infelizmente não fui ao bairro a noite, não voltei lá outro dia, não conheci direito as pessoas que estão ali. Mas acredito que seja um dos melhores lugares da capital para conversar com gente interessante e fazer valer a ideia de que onde há pessoas há tempo para um café!